De
acordo com o artigo 51º e seguintes do CPTA, temos a possibilidade que é dada
ao particular para impugnar atos administrativos. Também aqui, o particular tem
que preencher certos requisitos para que possa lançar mão desta garantia.
Vemos
desde logo, que o objeto da impugnação são os atos administrativos, tal como
previstos no artigo 148º do CPA. Tendo em conta os elementos constitutivos do
ato administrativo, o particular pode impugnar todos os atos que se reconduzam a
esta definição, independentemente da natureza da entidade que os praticou.
Seguindo
a doutrina do professor Mário Aroso de Almeida, temos ainda outros pressupostos
que têm que ser preenchidos para ser possível impugnar o ato. Eles correspondem
então, como já foi dito, ser um ato administrativo; não têm que produzir
necessária e exclusivamente efeitos externos; aquele que pretende impugnar o
ato administrativo deve ser afetado pelo menos ou ser dele destinatário, pelo
que tem assim o ónus da impugnação e têm que estar verificadas todas as
condições de eficácia do ato (exemplo: se o ato está sujeito a publicação como
requisito de eficácia, esta tem que ter sido efetivamente cumprida).
De
um modo geral e face ao exposto na lei, podemos concluir que não são necessários
outros pressupostos para que o particular possa impugnar o ato.
Contudo,
tem sido debatido na doutrina em geral há muito tempo a questão dos recursos
necessários ou impugnações administrativas necessárias. A questão atualmente
parece estar mais clara e parece não levantar tantos problemas.
Mas
nem sempre foi assim até à revisão do CPA em 2015, que veio eliminar o motivo
da discórdia na doutrina portuguesa.
Até
à revisão do CPA, era imposto ao particular que antes de recorrer à impugnação
contenciosa, seguisse o previsto no CPA, através da impugnação administrativa.
Só cumprindo este “pressuposto” é que o particular tinha acesso à impugnação
contenciosa, ou seja, só com este ato prévio é que o particular tinha acesso
aos tribunais. Havia então uma limitação das garantias dos particulares,
consagradas constitucionalmente no artigo 268º, mais concretamente no número 4
deste artigo. Indiretamente isto resultava num impedimento ao acesso aos
tribunais, porque quando o particular não cumpria a impugnação administrativa e
impugnava diretamente nos tribunais administrativos, o pedido era recusado.
Com
a reforma do CPA, as dúvidas foram afastadas com o artigo 3º que vem esclarecer
que, só serão necessários os recursos identificados como tal expressamente na
lei, identificando algumas expressões que nos permitem saber quando é que a lei
o exige.
Assim,
estabelece o atual artigo 185º/2 do CPA, que a regra é de que os recursos são
facultativos salvo indicação da lei, caso em que será de aplicar o nº1 do mesmo
artigo.
No
CPTA podemos também analisar alguns artigos que sustentam que de facto, não há
qualquer obrigação em utilizar o recurso necessário. O artigo 51º/1 ao
estabelecer que a impugnabilidade contenciosa dos atos administrativos, tem como
pressuposto essencial a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos
dos particulares, nesta medida diz-nos que os atos devem ter eficácia externa;
artigo 59º/4 faz suspender o prazo de impugnação contenciosa quando o
particular tenha lançado mão da impugnação administrativa, atribuindo assim
maior relevo aos meios de garantias administrativas. Quer isto dizer que o
prazo da impugnação contenciosa, só volta a correr quando se tenha obtido uma
pronúncia da administração à impugnação administrativa do particular. Com este
mecanismo, o particular mantém o seu direito à impugnação contenciosa.
Nas
palavras do professor Vasco Pereira da Silva, só assim se consegue efetivar o
objetivo das garantias administrativas, pois concedemos realmente ao particular
a oportunidade de ter uma “segunda opinião” sobre a questão, podendo alcançar
na realidade os seus objetivos.
O
professor Paulo Otero partilha também deste entendimento quando afirma que, com
a revisão do CPA, a impugnação administrativa passou a ser recomendável. Ambos
os autores defendem que tanto o recurso como as demais garantias
administrativas passam a ter um caráter de utilidade, recomenda-se ao
particular que opte por aquela via em vez de se impor ao particular aquela via.
Outro
argumento que afasta a necessidade do recurso necessário é o artigo 59º/5 do
CPTA, que nos diz que o particular que tenha recorrido à impugnação
administrativa e tenha beneficiado da suspensão do prazo, pode ainda assim,
impugnar o imediatamente o ato contenciosamente. Ora, daqui retiramos que é
sempre possível ao particular beneficiar imediatamente da via contenciosa sem
que isso esteja dependente da via de recurso administrativo.
O
descontentamento do professor Vasco Pereira da Silva, quanto a certos aspetos
do CPA não é recente, já o tendo manifestado por várias vezes em intervenções
orais em colóquios e em textos escritos.
Aquando
do projeto de revisão do CPA em 2013, professor Vasco Pereira da Silva expressou
a sua opinião fundamentada sobre as alterações do CPA, tanto as positivas como
as negativas.
Em
primeiro lugar, demonstra um carinho não muito especial pela definição que se propõe
de ato administrativo, que de resto é acompanhada por outros autores como Paulo
Otero, no sentido de que esta nova definição resulta num entendimento mais
restritivo de ato administrativo, pois particularizam-se os efeitos externos do
mesmo.
Entre
outras considerações, manifesta o seu desagrado pelo tão controverso recurso
hierárquico. Afirma então que do seu ponto de vista, a alteração não muda nada
e volta a mencionar a inconstitucionalidade que o legislador parece ignorar
conscientemente que afeta esta opção. Ora, nunca é demais referir que a
inconstitucionalidade resulta dos princípios consagrados na CRP, nomeadamente a
separação de poderes e o condicionamento e limitação ao acesso à justiça. Que devo
dizer, concordo com o professor Vasco Pereira da Silva, na medida em que, a
consagração na constituição do princípio do Estado de Direito, acesso à
justiça, garantias dos administrados, não são meros textos ilustrativos. São princípios
importantes em qualquer estado de direito e em qualquer Estado que tenha por
objetivo a defesa dos interesses dos seus administrados. Não é correto por um
lado consagrar tantos direitos e tantas vias de acesso aos tribunais, para o
particular poder fazer valer os seus interesses e acima de tudo fazer valer os
seus direitos legalmente constituídos, para depois consagrarmos uma via de
impedimento de “ressarcimento” no fundo do particular por ter sido lesado, em
virtude das atitudes da administração.
Não
podemos estar sempre a “desculpar” a administração ou tentar que a
administração remedeie a situação, não sendo prejudicada e beneficiando até
certo ponto o particular.
O
particular não pode, ser constantemente prejudicado pelos erros ou pela inércia
da nossa administração. Esta imposição de recurso necessário só faria sentido
se num regime perfeitamente articulado entre si, desse ao particular maior
proteção dos seus interesses e direitos. Caso contrário, instituir uma figura
destas no nosso ordenamento jurídico, sem ter em conta os princípios constitucionais
e a desproteção em que se deixa o particular, não faz qualquer sentido e não
demonstra uma administração capaz de assumir os seus erros e nessa medida
proceder a uma “correção” da situação do particular.
Continuando
na linha do professora Vasco Pereira da Silva, foi então criado este novo
pressuposto processual que não acrescenta nada de novo nem tão pouco garante
melhor proteção ao particular. Como nos é dito, não é pelo facto de termos um
recurso hierárquico necessário que a Administração muda de opinião.
Salienta
ainda em articulação com CPTA, que aquilo que o CPA pretende fazer, é na
prática um retrocesso ao que tinha sido instituído pelo CPTA, que eliminou
qualquer referência ou necessidade deste recurso, sendo que o CPA, vem “ressuscitá-lo”,
apesar de o fazer desnecessariamente. A única vantagem que se mantém, (mas
diga-se vantagem insuficiente), é a da suspensão dos efeitos das impugnações
administrativas.
Vasco
Pereira da Silva por outro lado salienta o facto de no CPTA, constar uma norma
que até certo ponto é um contrabalançar de toda esta situação, quando se
permite que o particular perante a inércia da administração ou dado ao tempo de
espera pela decisão da administração poder utilizar a via da impugnação
contenciosa diretamente.
Outras
opiniões surgiram também sobre assuntos ligados ao recurso hierárquico necessário,
como é o caso de Carla Amado Gomes, quando se pronuncia sobre um acórdão do
supremo tribunal administrativo, em que em causa estava uma suspensão de uma
funcionária que neste seguimento interpôs um recurso hierárquico o qual não foi
decidido.
O
ministério público afirma que não pode recorrer deste ato porque o silêncio da
administração quer dizer que o recurso foi tacitamente indeferido. Carla Amado
Gomes é totalmente contra este entendimento.
Começa
então por afirmar que, segundo a lei, quando a competência é devolvida ao ministério
público para decidir o recurso hierárquico, é suposto que este tome uma
decisão, pelo que a decisão não se basta com o seu silencia. Esta conduta não é
orientadora para o particular, não o deixa numa posição satisfatória ou segura
quanto à sua pretensão. Apesar da posição do particular ficar até certo ponto salvaguardada
pelo efeito suspensivo, não dá ao decisor o direito que atuar com desrespeito
da diligência que lhe compete e a figura do recurso hierárquico mostra-se
claramente insuficiente para o particular.
Estando
a administração sujeita ao dever legal de decidir, quer em sentido positivo e a
favor do particular, quer em sentido contrário, a questão é que tem que decidir
e tem que o fazer expressamente não por meias palavras ou sem palavras.
A
afirmação do ministério público tem por base o modelo francês segundo o qual se
exige um prévio ato como condição de acesso ao recurso contencioso de anulação.
Todavia este modelo permitiria que a administração se refugiasse no silêncio e
deixando os particulares sem qualquer tutela. Para não se beneficiar o
infrator, ao silêncio mantido durante algum tempo, o legislador achou por bem
determinar que este silêncio tinha o valor de indeferimento.
Mais
tarde com as sucessivas revisões constitucionais esta figura perdeu a sua
importância e foi sofrendo alterações, pelo que em 1982 já se afastou a regra
da decisão prévia como condição de acesso ao contencioso administrativo. A
tutela efetiva surge como principal preocupação do legislador e as reações
contra a inércia da administração são admissíveis, porque o particular necessita
de ver a sua situação jurídica definida pela administração, logo não tem que
esperar indefinidamente pela decisão de indeferimento da administração.
O
dever de decidir da administração tem que ser cumprido seja como for pelo que,
perante o seu silêncio em recurso hierárquico, vale este como indeferimento mas
que, contrariamente ao que se vinha a entender nesta matéria, a inércia com
este significado faculta ao particular a via de recurso contencioso de modo a
obter tutela dos seus interesses.
Nada
mais correto havia a fazer em situações como esta, pois se não fosse desta
maneira, nem havia decisão da administração nem podia o particular utilizar
outras vias para ver a situação solucionada. Na expressão de Carla Amado Gomes,
que é também um dito popular, que neste caso até se aplica, “nem o pai morre,
nem a gente almoça”, que mais não quer dizer se não, que se não fosse esta
solução, estaríamos num impasse que poderia nunca ser resolvido.
Podemos
então concluir, que o afastamento do recurso hierárquico necessário, como vinha
a ser entendido, foi o mais correto a fazer, não só porque assim se permite ao
particular reagir imediatamente perante situações em que a administração tem
que decidir e simplesmente não o faz mas porque também não se limita o seu
acesso aos tribunais. Por outro lado, a administração fica mais limitada se
decidir não atuar, porque isso já não impede o particular de reagir, tendo
consequências também para a administração.
Deste
modo, não está o legislador a incorrer em qualquer inconstitucionalidade
cumprindo um dos princípios mais importantes consagrados na nossa
constitucionais, que é o da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e
interesses legalmente protegidos e pelo menos limita os casos em que a
administração se pode “livrar” do seu dever de decidir sobre um qualquer
assunto que o particular lhe tenha suscitado.
Tenho
algumas dúvidas contudo quanto ao regime que está consagrado no decreto-lei
nº4/2015 no artigo 3º quando diz que, os recursos necessários serão apenas
aquelas que a lei os identificar como tal.
As
minhas reservas quanto a isto devem-se ao facto de, sendo que eventualmente a
lei prevê um recurso hierárquico, não ficará o(s) particulare(s), destinatários
ou afetados por esse ato, em desigualdade de armas quanto aos demais que foram
afetados por um ato que podem impugnar contenciosamente, ou seja recurso facultativo?
A
meu ver, em casos como este, apesar do recurso ser apenas em casos excecionais
previstos na lei, a impugnação contenciosa direta deve estar prevista como
garantia ao particular. Não pode em circunstância alguma, ficar o particular
desprotegido ou beneficiar de menos meios para reagir.
Bibliografia:
Gomes,
Carla Amado, Acórdão STA 30.01.1997, in
Cadernos de Justiça Administrativa nº 5 1997
Almeida,
Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo,
edições almedina, 2017, 3ª edição, Lisboa
Silva,
Vasco Pereira da, in Cadernos de Justiça “o
invernos do nosso descontentamento”, nº100 2013
Silva,
Vasco Pereira da, Contencioso
Administrativo no divã da psicanálise, edições almedina 2009, Lisboa
Silva,
Vasco Pereira da, Em busca do ato
administrativo perdido, edições almedina 1998
Ana
Cláudia da Silva Carvalho número 24 363
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