A prevalência da substância sobre a forma (Princípio pro actione)
O contencioso administrativo é pautado por uma igualdade de partes, cuja ideia se encontra concretizada no artigo 6º do Código deProcesso nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Este princípio deve-se a razões históricas, pois não só o Estado decidiu submeter-se ao direito, como também e sobretudo, porque a jurisdição administrativa passou de um objetivo de proteger a Administração face ao controlo dos tribunais, para o objetivo de garantir os direitos fundamentais dos particulares.
Deste modo, o contencioso administrativo plenamente jurisdicionalizado, isto é, independente da Administração Pública, possibilitou que os administrados desencadeassem processos administrativos com o intuito de alegar, perante os tribunais administrativos, a ofensa de um direito ou interesse legalmente protegidos, por parte de uma entidade pública. Trata-se do exercício do direito fundamental de acesso à justiça administrativa.
O professor Vasco Pereira da Silva sustenta que “Direito Administrativo é Direito Constitucional concretizado”, isto é, a Constituição, sendo a lei hierarquicamente superior do nosso ordenamento, designa em traços gerais em que é que uma jurisdição administrativa se deve fundamentar, estabelecendo como limite e critério a garantia dos direitos e interesses dos particulares.
Assim sendo, a tutela jurisdicional efetiva está consagrada no artigo 20º/1 da Constituição, dirigindo-se aos tribunais judiciais e aos tribunais administrativos. Dada a dualidade de jurisdições que vigora na ordem jurídica portuguesa, o artigo 268º/4 da CRP mas também o artigo 2º do CPTA vêm concretizar esta garantia de forma a reforçar este direito dos administrados. Assim, a todos assiste o direito fundamental a recorrerem à justiça administrativa, visando a simples apreciação ou a constituição de uma situação jurídica ou direito, a condenação da Administração à prática de atos devidos, bem como a impugnação dos atos administrativos.
No fundo, o particular procura a jurisdição administrativa para tutelar um direito ou interesse legalmente protegidos que tenham sido lesados pela Administração Pública, procurando que o tribunal emita uma decisão de mérito. Aliás, o direito de acesso à justiça só é totalmente satisfeito se, efetivamente, houver uma decisão de mérito, com força de caso julgado, quanto à pretensão formulada pelo autor.
Nesse sentido, o artigo 7º do CPTA, que é uma concretização do conteúdo do princípio da tutela efetiva, consagra o principio pro actione ou principio anti-formalistaque se traduz na ideia de que a efetivação do direito de acesso à justiça, deve compreender ao direito a uma justiça material dirigida à pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas, não se limitando a uma mera apreciação formal do litígio. Assim sendo, o artigo 7º dispõe que as normas processuais administrativas devem ser interpretadas no sentido de favorecerem a tomada de decisões de mérito procurando-se, deste modo, evitar situações de denegação de justiça resultantes de vícios formais e promovendo-se uma tutela jurisdicional efetiva. É possível encontrar manifestações deste principio no CPTA, nomeadamente nos artigos 12º/3 e 52º/1.
As normas de processo administrativo acabam por ser amplas no que toca, designadamente, à legitimidade para a propositura de ações junto dos tribunais administrativos (artigo 9º/1 CPTA), na medida em que o objeto primordial da existência de uma jurisdição administrativa é a fiscalização da legalidade por parte da Administração Pública. No fundo, a averiguação da observância da lei pela Administração consiste num interesse de todos os administrados em controlarem a atuação conforme à lei da Administração e, consequentemente, verem salvaguardados os seus direitos fundamentais. Daí que, as relações administrativas controvertidas devem terminar com a pronúncia sobre o mérito, fazendo jus a uma justiça material.
A Reforma de 1984/85 que incidiu sobre o contencioso administrativo procurou corrigir as deficiências processuais que imperavam e que dificultavam o acesso dos particulares a uma decisão judicial quanto às suas pretensões. Também a Reforma do contencioso administrativo de 2002/04 procurou colmatar este défice, consagrando o princípio da tutela jurisdicional efetiva que procurou pôr cobro a “decisões formais injustificadas”, tal como é relatado no Acórdão de 29.01.2014, nº 01233/13.
A tónica deve, deste modo, ser colocada na continuidade do processo optando o juiz pelo suprimento das exceções dilatórias, caso ocorram, ao invés de absolvições da instância. O princípio pro actione não visa, contudo, a consagração de um direito a obter uma decisão judicial favorável ao autor, mas visa apenas favorecer uma tramitação estável e eficaz do processo administrativo e privilegiar o conhecimento da questão de fundo.
Como refere o autor Luis Filipe Colaço Antunes, “as formalidades processuais são uma forma de garantia do acerto da decisão judicial e não um conjunto de obstáculos destinados a impedir a apreciação do mérito da causa”. Também nas palavras de Mário Aroso de Almeida, “o principio pro actione que decorre do art.7º impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efetuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito”.
Claro que o juiz não pode desconsiderar a existência de pressupostos processuais, na medida em que são condições necessárias à procedibilidade da ação, pelo que o conhecimento do mérito não é possível a todo o custo. Mas, tal como refere Mário Aroso de Almeida, os juízes por vezes faziam-se valer de “razões de ordem meramente formal para se subtrair, num número excessivo de situações, ao julgamento do mérito das causas”.
Importa ainda referir que o principio pro actione ou do favorecimento do processo encontra também especial relevância no âmbito do processo civil. O artigo 268º/3 do Código do Processo Civil (CPC) dispõe que ainda que subsistam exceções dilatórias que não hajam sido sanadas, não tem lugar a absolvição da instância, sempre que estejam verificados três requisitos. Em primeiro lugar, que a exceção dilatória vise tutelar o interesse de uma das partes, em segundo lugar, que não exista nenhum outro motivo que obste ao conhecimento do mérito da causa e por fim, que a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Por exemplo, o artigo 577º/d) do CPC consagra a falta de autorização que o autor devesse obter, como uma exceção dilatória. Tal situação acarretaria a absolvição do réu da instância nos termos do artigo 278º/1e) do CPC, tendo o juiz de se abster de conhecer do pedido. Todavia, o juiz deve ser um juiz ativo e eficiente que procure a justa composição do litígio e, como tal, se os três requisitos acima enumerados estiverem verificados, nada obsta a que o juiz conheça do mérito da causa. O princípio daeconomia processual, bem como o da prevalência da substância sobre a forma assim o determinam.
Além disso, uma decisão baseada em questões processuais, além de não ir de encontro com o princípio da economia processual, apenas faz caso julgado formal, ou seja, não obsta a que o autor se dirija novamente aos tribunais para propor outra ação com o mesmo objeto. Estas situações devem ser contornadas sempre que possível, evitando a existência de uma justiça judicial ou administrativa ineficientes.
Em jeito de conclusão, a lógica demonstrada também pode ser transposta para o contencioso administrativo. Se o juiz está numa fase no processo, em que se encontra habilitado para conhecer do mérito da causa, ele não deverá deixar de proferir a decisão, quando esta seja integralmente favorável à parte cujo interesse era tutelado pelo pressuposto processual que levava à absolvição da instância. Além de que, a maioria dos pressupostos processuais são sanáveis, devendo o juiz, tal como dispõe o artigo 6º/2 do CPC, providenciar pelo suprimento deste tipo de pressupostos, em obediência ao seu dever de gestão processual, dever este que também deve imperar no contencioso administrativo.
Merita Monteiro
Sub 12 4ano
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da, “O contencioso Administrativo no divã da psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013
CORREIA, José Manuel Sérvulo, “O princípio pro actione no procedimento administrativo”, em Estudos vários, Vol.I,
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