Avançar para o conteúdo principal

A intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões

I.                    Introdução:
Até à reforma de 2015, os pedidos que podiam ser apresentados perante a jurisdição administrativa podiam sê-lo por meio de processo comum ou por meio de formas de processo especiais. Assim, havia uma dualidade[1] entre a ação administrativa comum – todos os litígios no âmbito da jurisdição administrativa que não eram objeto de regulação especial – e a ação administrativa especial – sendo esta de três tipos: impugnação de atos; condenação à prática de ato legalmente devido; impugnação e declaração de ilegalidade da omissão das normas.
No entanto, com a reforma de 2015, esta dualidade veio a desaparecer, passando todos os processos não-urgentes a tramitar sob a forma de ação administrativa, única e exclusiva forma de processo (note-se, “não urgente”). Porém, isto não quis dizer que existisse apenas esta ação administrativa uma vez que também era possível (e é, hoje em dia) afirmar uma espécie de dualidade entre os processos não-urgentes e os processos urgentes.
II.                  Os processos urgentes
Os processos urgentes são aqueles que, tal como o próprio nome diz, precisam de uma significativa prioridade dado o assunto de que visam tratar, tendo então uma forma mais célere de realização, merecendo uma resolução definitiva e clara num curto período de tempo. Há, portanto, um processo de tramitação acelerada ou simplificada, tendo em conta a importância do assunto e até mesmo a importância da sua resolução em tempo diferente e consideravelmente mais curto do que o tempo utilizado normalmente para os processos administrativos comuns.
Prova “viva” da celeridade com que estes processos são tratados estará presente no art. 5º do CPTA, relativamente à cumulação de pedidos a que correspondam formas de ação administrativa urgente. Assim, quando haja uma cumulação de pedidos, tendo estes que se agrupar de acordo com os pressupostos do art. 4º, se a algum dos pedidos corresponder uma das formas da ação administrativa urgente, deve-se aplicar as normas do processo urgente, “devendo as adaptações que impliquem menor celeridade do processo cingir-se ao estritamente indispensável”.
Estes principais processos urgentes (artigos 97º e seguintes) abrangem, no CPTA, três tipos de ações administrativas urgentes, sendo estas o contencioso eleitoral, os procedimentos de massa e o contencioso pré-contratual; e dois tipos de intimações; isto sem prejuízo de mais tipos de processos urgentes poderem ser previstos e de também existirem os processos urgentes não principais, os designados processos cautelares (art. 36º/1 f))
III.                As intimações
Relativamente às intimações, estas visam prosseguir objetivos/defender questões diferentes. O primeiro tipo diz respeito à prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Já o segundo visa a defesa de direitos, liberdades e garantias. Estas intimações são consideradas por muitos como “imposições”. São processos urgentes de condenação, dirigidos normalmente à Administração (podendo também ser a outras entidades que exercem poderes de autoridade), para que esta adote certo comportamento. Será na proteção da prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões que me irei focar adiante e no respetivo regime jurídico aplicável.
Estas duas formas de intimação correspondem a meios processuais autónomos (apesar de anteriormente já terem sido considerados como meramente acessórios) que, portanto, se caracterizam pela urgência, abreviação, simplicidade e por “concederem ao juiz poderes especialmente energéticos, permitindo-lhe (…) formular, com caráter definitivo, injunções à Administração”, nas palavras de SOFIA DAVID[2].
IV.                Intimações para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões
Esta forma de processo urgente tem como função assegurar o direito à informação administrativa procedimental em todas as suas modalidades. Assim, os interessados têm o direito a ter todas as informações relativas ao andamento dos processos que lhes digam respeito ou os afetem e sobre todas as resoluções definitivas tomadas no âmbito destes. No seguimento da noção anteriormente apresentada para “intimação” esta especificidade corresponde a uma imposição feita à Administração para que faculte a quem tenha legitimidade ativa para tal a consulta de processos onde se inserem determinados documentos, ou a passar certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos, ou, ainda, a prestar uma informação direta (104º/1 e 2º/2 l) CPTA)[3]
Assim, com a intimação para este tipo de prestação há um objetivo de satisfazer todas as pretensões informativas, dizendo isto respeito tanto à informação procedimental como ao direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 104º). Antes do novo CPTA apenas se previa este tipo de intimação para o primeiro tipo de questão, tendo então o novo código previsto expressamente o segundo tipo (art. 104º/1 CPTA “no exercício do direito à informação ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos”).
Também pode este meio ser utilizado para obter a notificação integral de um ato administrativo. Assim, se a notificação ou a publicação de um ato não tiver alguma informação que seja necessária e obrigatória (exemplo: indicação do autor, da data, dos fundamentos da decisão) o interessado terá, segundo o artigo 60º/2 CPTA, o direito de “requerer à entidade que proferiu o ato a notificação das indicações em falta ou passagem de certidão que as contenha”, cessando isto apenas com o “cumprimento da decisão que defira o pedido de intimação ou o trânsito em julgado da que o indefira” ou com “o trânsito em julgado da decisão que extinga a instância por satisfação do requerido na pendência do pedido de intimação” (art. 106º CPTA). Portanto, o pedido de intimação não desaparecerá enquanto não for mandado satisfazer ou recusado pelo tribunal competente.
A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões pode resultar de um ato ou de uma omissão: ato de recusa expressa ou conduta omissiva relativamente a um ato requerido (artigos 61º e 62º CPA; artigo 104º e 2º/2 l) CPTA)
Esta forma de processo urgente releva numa questão de transparência. Todo o sujeito detentor de legitimidade ativa neste âmbito terá o direito a obter informações que lhe digam respeito da forma mais transparente possível, mesmo que não leve à resolução em si do litígio. (O que, diga-se de passagem, faz todo o sentido, uma vez que qualquer pessoa que tenha um processo que lhe diga respeito a decorrer tem que saber em que termos está a decorrer, não podendo eventualmente, ao saber da resolução do mesmo, ser surpreendido, quer seja uma surpresa favorável ou desfavoravelmente. Isto também numa lógica de garantia da tutela jurisdicional efetiva e do direito de acesso à informação num prazo razoável)
Quanto a quem tem legitimidade para pedir esta forma de intimação, esta pode ser pedida pelos titulares do direito à informação que aleguem ser parte na relação material controvertida (interessados) ou, em caso de impugnação judicial, por todos aqueles que tenham legitimidade para utilizar os meios impugnatórios e também pelo Ministério Público, no âmbito da ação popular, em representação do Estado ou de outras pessoas indicadas por lei (art. 9º e 104º CPTA; art. 219º/1 CRP; art. 26º CPC, aplicado subsidiariamente pelo artigo 1º do CPTA) – legitimidade ativa
Quanto à legitimidade passiva, pertence à pessoa coletiva/ministério a que pertence o órgão em falta (art. 10º/1 a 4 – sendo o número 4 a sanação ex lege à violação dos números 2 e 3 – e art. 104º CPTA). Portanto, demandado um órgão de determinada pessoa coletiva, nos termos do art. 10º/4, “considera-se a ação proposta contra a pessoa coletiva ou ministério”. Isto difere do que constava no antigo CPTA, onde estava expresso que não era a pessoa coletiva que era demandada mas sim o próprio órgão/autor do ato em falta. Alterações foram feitas neste sentido dada a complexidade e dificuldade de que muitas vezes se reveste a tentativa de descobrir concretamente quem foi o responsável pelo não fornecimento das informações indispensáveis decorrentes do direito à informação do interessado. Isto indo de encontro à opinião de VIEIRA DE ANDRADE, que defende as alterações feitas neste sentido, criticando a referência feita no art. 107º do antigo CPTA à “autoridade” e não “entidade” requerida.
Quanto ao prazo para impor à Administração o seu dever de informar/notificar, é de vinte dias a partir da não satisfação do pedido, da omissão, ou a contar do indeferimento ou da satisfação apenas parcial do pedido (art. 105º). A resposta pela autoridade e pelos contrainteressados terá que ser num prazo de dez dias (decorrência do princípio do contraditório) e a do juiz em cinco dias. (art. 107º) O juiz tomará esta decisão, portanto, apresentada a resposta pelo órgão a quem se imputa a conduta omissiva ou decorridos os 10 prazos para tal, mesmo se não houver a devida resposta.
Se o juiz considerar uma decisão condenatória relativamente à questão, a autoridade terá um prazo de dez dias para o cumprimento da intimação. Se não houver justificação plausível nenhuma para o incumprimento do dever de informação, poderão ser aplicadas sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo de responsabilidade civil, disciplinar e/ou criminal que tenha lugar no caso concreto (art. 108º).
Duas importantes notas relativamente a este assunto prendem-se, portanto, ainda com o modo como o processo é formulado, obedecendo aos termos do artigo 36º CPTA, correndo então em férias, sem ser necessário qualquer aviso prévio e sendo os atos da secretaria praticados no próprio dia; e também com o facto de, tal como em qualquer processo administrativo, para o uso da intimação para prestação de informações (em sentido amplo) é necessário que se verifiquem pressupostos processuais específicos para além da legitimidade anteriormente referida, tais como a personalidade judiciária – art. 8º-A CPTA, capacidade judiciária – art. 9º/1 e 2 CPC e art. 8º-A CPTA, patrocínio judiciário – art. 11º CPTA e competência do tribunal (art. 44º ETAF, 20º CPTA). Estes pressupostos terão que ser verificados para as intimações e para os processos urgentes nos mesmos termos que os processos não-urgentes, ou seja, nos termos gerais da ação administrativa.
BIBLIOGRAFIA:
- JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa
- SOFIA DAVID, Das intimações
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo


[1] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa
[2] SOFIA DAVID, Das intimações
[3] SOFIA DAVID, também Das intimações


Rita Sampaio D'Andrade, nº 26 226

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O segundo “trauma” do Direito Administrativo: o Acórdão Blanco

O Direito Administrativo passou por dois “acontecimentos traumáticos” aquando do seu surgimento, o que permite explicar alguns dos problemas com que se defronta atualmente. O seu primeiro “trauma” resulta do nascimento do Contencioso Administrativo, na Revolução Francesa. Concebido como “privilégio de foro” da Administração, não se destinava a garantir a proteção dos direitos dos particulares, mas a assegurar a garantia da Administração e da defesa dos poderes públicos. Deste modo, cabia à própria Administração julgar-se a si mesma, com base num princípio da separação de poderes que levou à criação de um “juiz doméstico” ou “de trazer por casa”, dado que os tribunais judiciais estavam proibidos de interferir na esfera da Administração ( troubler, de quelque manière que ce soit, les opérations des corps administratifs ). Instaurou-se, assim, um sistema no qual imperava uma “confusão entre a função de administrar e a de julgar”. É precisamente deste Contencioso Administrativo, d...

A prevalência da substância sobre a forma

A prevalê ncia da substância sobre a forma (Princípio pro  actione ) ​ O  contencioso administrativo é pautado por uma igualdade de partes, cuja ideia se encontra concretizada no artigo 6º do Código de Processo   nos   Tribunais   Administrativos (CPTA).   Este princípio deve-se a razões históricas,   pois   não só o Estado decidiu submeter-se ao direito, como também e sobretudo,   porque a jurisdição administrativa passou de um objetivo de proteger a Administração face ao controlo dos tribunais,   para o objetivo de garantir os direitos fundamentais dos particulares.   Deste modo, o contencioso administrativo plenamente  jurisdicionalizado ,   isto é, independente da Administração Pública, possibilitou   que   os   administrados desencadeassem processos administrativos com o intuito de alegar,   perante os tribunais administrativos, a ofensa de um direito ou interesse legalmente protegidos, ...