Princípio da livre cumulabilidade de pedidos
O artigo 4º CPTA
estabelece o princípio da livre cumulabilidade de pedidos, segundo o qual, por
respeito a princípios como o da economia processual evitando que diferentes
tipos de pretensão por parte do mesmo autor se associem a meios processuais
distintos, é permitido que na mesma acção configurem vários pedidos.
Nas palavras dos
Professores Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, este princípio
possibilita que o Tribunal conheça “cada pretensão regularmente deduzida em
juízo” no âmbito de um só processo.
No entanto, para que a
cumulação opere sem vicissitudes é necessário que entre os pedidos exista uma
conexão jurídica suficientemente relevante para que possam ser deduzidos na
mesma acção. É por isto que no artigo 4º/1 CPTA nos são indicadas as situações
em que a cumulação de pedidos é permitida. Assim sendo, sempre que – alínea a) – a causa de pedir seja a
mesma ou os pedidos estejam numa relação de prejudicialidade [a decisão quanto
a um dos pedidos a apreciar pode influenciar a decisão do(s) outro(s)] ou de
dependência [apreciação de um pedido só pode ocorrer depois de apreciado(s)
outro(s)], a cumulação é permitida.
Por outro lado e nos
termos da alínea b), sempre que a
procedência dos pedidos dependa da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação
e aplicação das mesmas regras, embora a causa de pedir não seja a mesma, a
cumulação é, também, aqui, permitida.
Regra geral, a
cumulação encontra-se ao dispor do interessado apresentando-se o seu recurso
como uma faculdade que este pode ou não exercer. No entanto, há, pelo menos,
uma situação em que o particular tem o ónus de recorrer à cumulação de pedidos.
O Professor Mário Aroso
de Almeida, a este propósito, refere-se àquelas situações em que o interessado,
querendo a condenação da Administração Pública, não o pode pedir sem que peça,
na mesma e única acção, a impugnação do ato. Por exemplo, A, concorrente num determinado concurso, contesta a legalidade do
ato de adjudicação que beneficiou B. A considera que o ato de conteúdo
positivo em causa deve ser substituído por outro de conteúdo diferente. A não pode pedir a condenação da
Administração sem que impugne o ato que quer ver substituído1.
Acresce referir que, de
acordo com o disposto no artigo 28º/1 CPTA, no caso de o autor ter optado por
propor autonomamente processos cujos pedidos possam ser cumulados, nos termos
do artigo 4º CPTA, ao juiz assiste a faculdade de decidir pela apensação oficiosa
dos mesmos. Estabelece a 2ª parte do nº1 do artigo 28 CPTA que o facto de os
processos se encontrarem pendentes em tribunais diferentes não impede que sejam
reunidos num único. Esta possibilidade de apensação de processos só se mostra
disponível, no entanto, nos casos em que a mesma não se mostre, por qualquer
razão, inoportuna ou inconveniente. Como exemplo desta faculdade pode
apontar-se o artigo 61º CPTA que vem estabelecer a possibilidade de apensação
de processos impugnatórios desde que a cumulação seja permitida segundo os requisitos
gerais do artigo 4º CPTA.
A este propósito,
refere Cecília Anacoreta Correia que a opção do legislador em deixar a
possibilidade de apensação de processos autónomos a cargo da apreciação do juiz
surgiu “ao arrepio”2 da liberdade conferida ao autor “em matéria de
configuração do objeto processual”3 a quem assiste a faculdade de
cumular ou não os pedidos conforme lhe convenha.
Cumpre referir que se
os requisitos constantes do nº1 do artigo 4º CPTA estiverem preenchidos nada
impede que na mesma acção sejam cumulados pedidos de natureza distinta. Isto é,
pode o autor pretender a anulação de determinado ato administrativo e,
simultaneamente, a condenação da Administração no pagamento de uma indemnização
pelos danos que tal ato causou na sua esfera jurídica. Assim, teremos uma acção
de natureza mista – constitutiva por um lado e condenatória, por outro.
Continuando em sede dos
requisitos da cumulação previstos no artigo 4º/1 CPTA, é relevante indicar-se o
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 01/06/2017, Processo nº 824/14
em cuja fundamentação nos é dito que “(…)só há cumulação real de pedidos quando
o autor pretende simultaneamente mais do que uma prestação, quando formula mais
do que um pedido substancial, mais do que um pedido a respeito da relação
jurídica material controvertida (cf. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de
Processo Civil, 3º, págs. 127 ss).”
No caso apreciado pelo
TCA Sul, a autora pretendia, por um lado, ser indemnizada pela conduta danosa
da Administração que se consubstanciava num ato administrativo ilegal que fora
anulado e, por outro, pela demora, também ela danosa, da Justiça no julgamento
do processo no qual se impugnava tal ato.
Considerou o TCA Sul
que se estaria perante dois pedidos em cumulação real na medida em que, embora
com origem em diferentes causas de pedir, a apreciação de ambos estava sujeita
à interpretação e aplicação das mesmas regras de Direito.
Então, o requisito
constante da alínea b) do nº1 do
artigo 4º CPTA encontrava-se preenchido. Termina o Acórdão da seguinte maneira
“(…)existem duas relações jurídicas materiais subjacentes (…) a procedência dos
pedidos condenatórios em reparação de danos, com causas de pedir diferentes,
dependem (…) da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas (…) E
tanto basta para considerar que o artigo 4º/1/b) do CPTA/2002 é respeitado na
petição inicial.”
A cumulação de pedidos
revela-se vantajosa não só para o autor como para o sistema judiciário.
Primeiramente, a possibilidade de cumular na mesma e única acção vários pedidos
conexos permite tornar todo o processo judicial mais célere e menos dispendioso
já que o autor não tem de propor quantas acções quanto o número de pedidos.
O carácter menos
dispendioso da possibilidade de cumulação de vários pedidos relaciona-se com o
disposto no número 7 do artigo 32º CPTA na medida em que, ao contrário do que
aconteceria no caso da propositura de processos autónomos em que o valor da
causa seria calculado tendo em conta o valor de cada ação, quando, na mesma
acção, sejam cumulados vários pedidos, o valor da causa será o resultado da
soma do valor de todos eles.
Por outro lado, a
cumulação de pedidos revela-se benéfica para o sistema judiciário na medida em
que, segundo Cecília Anacoreta Correia, evita a propositura de vários processos
autónomos e do sucessivo recurso ao respetivo expediente
burocrático deixando, inclusivé, os juízes menos sobrecarregados e mais
disponíveis para a resolução célere e eficiente, que se pretende, dos
litígios.
Não obstante o carácter
vantajoso deste regime existem, na verdade, críticas que se lhe podem tecer. Uma
delas é, nas palavras de Cecília Ancoreta Correia, o aumento do grau de
complexidade material dos processos que contenham vários pedidos em regime de cumulação
e da sua consequente tramitação aquando da “concentração de questões conexas da
acção administrativa especial, cujo conhecimento estava anteriormente remetido
para o processo de execução de sentenças de anulação (…) por força da
irrestrita admissão de meios de prova.”4
Conclusão
Em suma, é possível
afirmar que esta livre cumulabilidade dos pedidos se, por um lado, representa
uma faculdade processual que o interessado pode exercer se assim entender, por
outro, encontra uma certa ressalva no artigo 28º do CPTA.
O juiz encarregue da apreciação
e resolução do litígio pode ordenar a apensação de processos autónomos propostos
pelo autor quando os pedidos que os integrem possam cumular-se nos termos do
artigo 4º CPTA.
O que se pretendeu foi que se limitasse a liberdade conferida ao particular para que este não pudesse escolher não cumular os pedidos numa única e mesma ação por ser do seu interesse a propositura de várias ações com pedidos que até apresentariam conexão jurídica relevante. Esta postura não só obstaculizaria o respeito pelos princípios da economia e da boa gestão processuais como também sobrecarregaria os tribunais levando a uma crescente morosidade na resolução dos litígios. Como tal, devem ser adotadas soluções que travem tal postura. Andou bem, portanto, nesta matéria, o legislador.
1 - Exemplo da autoria
de Mário Aroso de Almeida, in “Manual de Processo Administrativo”, 2017,
Almedina, p.71.
2 - Expressões de
Cecília Anacoreta Correia in “O Princípio da Cumulação de Pedidos no Código de
Processo Nos Tribunais Administrativos, em especial, em sede executiva”,
consultado em
https://www.abreuadvogados.com/xms/files/02_O_Que_Fazemos/Publicacoes/Artigos_e_Publicacoes/Principio_cumulacao_pedidos_no_Codigo_de_Processo.pdf
3 - Idem.
4 - Idem.
Bibliografia
- Almeida, Mário Aroso
de, Manual de Processo Administrativo,
Almedina, 2017.
- Almeida, Mário Aroso
de, Teoria Geral do Direito
Administrativo, Almedina, 2016.
- Correia, Cecília
Anacoreta, O Princípio da Cumulação de
Pedidos no Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, em especial, em
sede executiva, in www.abreuadvogados.com
- Sousa, Miguel
Teixeira de, Cumulação de pedidos e
cumulação aparente no contencioso administrativo, Cadernos de Justiça
Administrativa, nº 34, 2002.
Helena Miranda Pedro
Subturma 12, Nº 26274
Subturma 12, Nº 26274
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