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Os Regulamentos Administrativos



Os Regulamentos Administrativos
 Análise

Irei realizar uma análise introdutória do tema relativo aos regulamentos administrativos.
Em primeiro lugar é necessário averiguar quando é que os regulamentos apresentam relevância para o direito administrativo, ora está assim em causa litígios relacionados com normas emanadas no exercício da função administrativa, o que compreende toda e qualquer norma cuja emissão se processa no exercício de poderes conferidos pelo direito administrativo.

No âmbito histórico, e com relevância a revolução francesa, veio questionar a validade de uma lei omnipotente, surgiu aqui o direito constitucional criou-se a Justiça Constitucional, como forma de fiscalização da lei ao que o Professor Blanco de Morais designa como lei mítica oitocentista.
Porém, esta lei criou um regime diferente para as normas administrativas o que atingiu a Constituição, dado a impugnabilidade contenciosa dos regulamentos governamentais questionou assim, a supremacia da ilegalidade com força geral proveniente da Constituição.

Surge assim, a inimpugnabilidade dos regulamentos. Tema este tratado pelo Professor Afonso Queiró, em 1945. Este delimitou numa linha cronológica desde o período oitocentista até à primeira metade do século XX, duas questões, sendo elas as seguintes i) a primeira, interroga-se sobre a admissibilidade da impugnação contenciosa dos regulamentos ou de todos eles; ii) a segunda, sobre se, sendo admissível essa impugnação, será legitimo o seu sindicato directo pelos lesados.
Sobre a primeira questão é necessário apresentar razões constitucionais, políticas e jurídico-normativas que justifiquem a inimpugnabilidade contenciosa dos regulamentos. Os problemas da inconstitucionalidade (e da ilegalidade qualificada) e respectivas consequências jurídicas _ orientadas, sobretudo, para o “esquema dual” (Gomes Canotilho) nulidade-inexistênte e nulidade _ têm colhido vários ensinamentos da doutrina constitucionalista, em virtude da estreita conexão com os processos de fiscalização previstos na CRP, da competência do Tribunal Constitucional. Assim a dualidade justificava-se pelo princípio da separação dos poderes, pelo que deveria existir separação entre as autoridades administrativas e jurisdicionais, que levavam à proibição de intervenção por parte dos Tribunais Administrativos.

Quanto às razões políticas, entendeu-se tal como expõe Lafuente Benach já no século XX, que as razoes que levava a uma prudência objectiva e que como tal não admitiam ou restringiam a impugnação contenciosa das leis, deveria, igualmente, impedir ou restringir a impugnação dos regulamentos. Era uma forma de uniformização e tratar de igual os diferentes sistemas, o contencioso e o administrativo.

Finalmente, duas razões de ordem jurídico-normativa. A primeira, centrava-se no entendimento de que, como norma geral e abstracta, o regulamento não teria destinatários individualizados e, como tal, não poderia violar direito algum (Joaquim Lobo D´Avila).
A segunda, centrava-se na tese de que o regulamento seria uma lei em sentido material, pelo que, sendo as leis constitucionalmente insindicáveis, tal também deveria suceder com os regulamentos.

Mas, a inimpugnabilidade dos regulamentos foi abalada ainda no período oitocentista.
A evolução do contenciosos regulamentar traduz-se na gradual remoção de barreiras, seja a impugnação directa, seja ao sindicato de alguns vícios, seja ao controlo de certos regulamentos privilegiados.

Assim, por exemplo em França, a impugnação regulamentar foi, na primeira metade do Século XIX, admitida em relação a regulamentos locais. Posteriormente, a reforma de 1864 pressupôs a necessidade de a lei se impor aos regulamentos, porque a independência destes ante a jurisdição significava, igualmente, a sua independência ante a lei.

A consequência do que a que aqui foi anteriormente exposto, é a faculdade do recurso directo de anulação contra regulamentos, com fundamento em desvio de poder, por quem tivesse interesse pessoal e directo, mas imunizou desse meio impugnatório os reglements d’administration publique emitidos ao abrigo de autorizações legislativas e tidos como para-legislativos.

Mais tarde, a jurisprudência (e a lei, em 1872), alargaram o controlo da legalidade regulamentar a outros vícios (violação de lei e excesso de poder) tendo em 1987 uma decisão do Conseil D’Etat admitido, o sindicato directo dos reglements d’administration publique.

Em Itália, depois da reforma de 1865 ter consagrado o controlo incidental de regulamentos, instituiu-se em 1889, o recurso directo de anulação das normas lesivas dos particulares. A jurisprudência fez coexistir o recurso directo de anulação contra os regulamentos lesivos auto-aplicativos com um recurso directo cumulado, contra o regulamento ilegal não imediatamente operativo e o respectivo acto de aplicação. Surgiu assim, uma maior protecção a favor do particular, uma vez que a partir deste momento o particular detinha de um meio legal de defesa, através do referido recurso directo.

Em Espanha, o fim da inimpugnabilidade deu-se no termo do Séc. XIX, passando a admitir-se o sindicato indirecto das normas da Administração. A Lei de 1956 instituiu o sistema de impugnação directa contra normas da administração local e das corporações, mas restringiu o sindicato directo as normas da administração central auto-aplicativas. Apenas em 1998 se alargou o sindicato directo contra qualquer acto normativo ilegal ao lesado.
Vimos que o regime legal anterior consagrava duas formas processuais, não alternativas, para a impugnação directa dos regulamentos.
No CPTA, consagrou-se uma única forma processual, a acção administrativa especial, destinada a impugnação de actos da administração, aí compreendido o sindicato directo de regulamentos.
A doutrina saudou a alteração por ter permitido uma simplificação e uniformização processual, traduzida:
i) Na criação de uma única acção impugnatória, pondo-se termo ao que foi qualificado de “esquizofrenia”, com dois processos, dotados de requisitos diferentes e um âmbito de aplicação parcialmente sobreposto (Vasco Pereira da Silva);
ii) No termo do bizantino, confuso e assistemático quadro de remissões respeitantes ao Direito aplicável a tramitação processual, designada de “Babilonia de regras processuais” ( Paulo Otero) .

Hoje estas questões foram ultrapassadas. Como veremos de seguida o nosso ordenamento jurídico e após várias alterações e evoluções, as quais cominaram no seguinte entendimento de que em primeiro lugar analisaremos o controlo do exercício do poder regulamentar por tribunais não integrados na ordem jurisdicional administrativo e fiscal.

Uma vez que regulamento administrativo, por constituir um ato normativo e integrar o quadro das fontes de direito, é objecto de controlo não apenas pelos tribunais especificamente vocacionados para a apreciação de questões jurídico-administrativas, mas também controlável por outros tribunais em matéria de controlo do exercício do poder regulamentar não pretende eliminar a reserva de competência dos tribunais administrativos consagra no nº3 do artigo 212º CRP.

Desde logo, o regulamento administrativo _ enquanto ato normativo, emanado por entidades administrativas, no exercício da função administrativa, com valor infra-legal _ integra, sem quaisquer dificuldades interpretativas, o (amplo) conceito de norma para efeitos de controlo forjado pela doutrina e pela jurisprudência do tribunal constitucional, reunindo as características da normatividade, imediação, heteronomia normativa e reconhecimento normativo jurídico-publico. (Ana Gonçalves Moniz)

O contencioso administrativo dos regulamentos inspirado pela consagração constitucional do direito de impugnação de normas lesivas, fez com que o novo CPTA sofresse transformações determinantes não apenas ao nível dos meios processuais principais, mas também no plano da tutela cautelar. O novo código, além dos meios processuais destinados a controlar a legalidade das normas emanadas ou da omissão ilegal de normas a emitir, prevê agora um processo cautelar especificamente dirigido à suspensão da eficácia das normas administrativas.

Tal como resulta das alíneas b´e d´do nº1 do artigo 4º do ETAF, compete aos tribunais administrativos a fiscalização da legalidade das normas emanadas por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo, assim como das normas praticadas por sujeitos privados no exercício de poderes administrativos. Será no horizonte destes preceitos _ os quais nos remetem, em geral, para os regulamentos administrativos e entidades titulares do poder regulamentar. Ora uma questão relevante que surge diz respiro ao problema dos regulamentos praticados sob forma de ato legislativo, em termos de saber se para este vale regra similar à dos actos administrativos, impugnáveis junto dos tribunais administrativos independentemente da sua forma (artigo 268º, nº4 da CRP, e 52º, nº1 do CPTA). A questão complexifica-se num ordenamento como o nosso em que, além de se encontrar constitucionalmente conferido ao Governo poder legislativo ordinário (artigo 198º nº1, a´), não se reconhece uma reserva de regulamento, razão por que, à partida, se torna difícil o recorte de um conceito material de regulamento em confronto com um (inexistente) conceito material de lei _ questão ancorada no igualmente tortuoso problema da distinção material entre as funções legislativa e administrativa. (Ana Gonçalves Moniz)

No que tange ainda ao conceito de norma para efeitos de controlo da legalidade nos tribunais administrativos, impõe-se averiguar se estarão aí abrangidas as normas internas. As sucessivas referências indiferenciadas no ETAF e no CPTA a “norma emanadas ao abrigo de disposições administrativas” (v. artigos 4º, nº2 alínea b´ e d´ do ETAF e 72º, nº1 do CPTA) não se revelam esclarecedoras. Estribando-se no requisito da lesividade da norma, a doutrina responde negativamente a esta interrogação.
Contudo entende-se que a lesividade Sá vale para a legitimidade da acção particular e não na impugnação de actos administrativos. Por outro lado, a circunstância de a garantia constitucional se reportar a “normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus (dos cidadãos) direitos e interesses legalmente protegidos” não se revela decisiva, podendo o legislador administrativo assegurar uma tutela para lá da exigência constitucional. Contra a inimpugnabilidade de que estas não constituírem normas internas não se invoque igualmente a circunstância de estas não constituírem normas administrativas: permitida que esta e qualquer concepção alicerçada na tradicional dicotomia germânica entre regulamentos jurídicos e regulamentos administrativos, reservado para os primeiros o qualificativo de norma jurídica, não se contesta hoje a jurisdicidade dos regulamentos internos: a sua inimpugnabilidade representa, por isso, uma opção, em regra orientada pela circunstância de que, produzindo apenas efeitos no interior da administração, tais normas não atingem a esfera jurídica de terceiros. Argumento mais forte no sentido da restrição do objecto dos meios processuais às normas externas partirá da análise do âmbito da justiça administrativa, constitucional e legalmente delineado em função do critério da relação jurídica administrativa (artigos 212º, nº3 CRP e 1º, nº1 CPTA), que se caracteriza pela sua intersubjectividade, daí que, num sistema de administração executiva, tão-só em casos explicitamente previstos pela lei, os tribunais administrativos apreciem relações de natureza interna. (Ana Gonçalves Moniz)

Esta exposição serve para iniciar a discussão e para despertar a curiosidade relativa ao tema dos Regulamentos. Pelo que foi exposto é perceptível a coerência de que o direito administrativo pode pronunciar-se sobre a legalidade dos regulamentos, porém não é coerente saber sobre quais, uma vez que a diferenciação entre regulamento legislativos e administrativos prevalece ainda hoje.


Bibliografia:
·         Mário Aroso de Almeida _ “ Manual de Processo Administrativo”, Edições Almedina, Coimbra, 2012, p. 105
·         Ana Raquel Gonçalves Moniz _ “ Estudo sobre os Regulamentos Administrativos”, 2º edição, Edições Almedina, Coimbra, 2016, pp198 e ss
·         Carlos Blanco de Morais _ “Temas e Problemas de Processo Administrativo”, 2º edição, Edição Instituto de Ciências Jurídico-políticas, Lisboa, Setembro de 2011, pp135 e ss


Sofia Videira Gomes nº24180

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