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Nova forma processual no CPTA de 2015: a ação administrativa

No presente comentário procede-se à análise da opção estrutural que na recente revisão do CPTA[1] foi adotada, relativamente à submissão de todos os processos administrativos não-urgentes a uma única forma. O que afastou a, até então vigente, dicotomia entre ação administrativa especial e ação administrativa comum.
Apoiando-nos nas palavras de Manuel Aroso Almeida[2], esta é a grande inovação introduzida pela revisão do CPTA, pelo que, decidimos restringirmo-nos apenas ao presente tema do processo declarativo comum, abstendo-nos do estudo das inovações introduzidas a outros regimes processuais, (ex. processos urgentes).  O interesse no tema abordado e a abundância de material disponível para estudo, justificável pelo tema ter já aceso debate na doutrina portuguesa, desde o final da década de 90 e inicio do séc. XXI. São as causas que nos conduzem à divisão do presente comentário em dois post separados, no blog da subturma. Pela procura de uma análise desenvolvida das criticas apresentadas e posições defendidas pelos diversos autores, não julgo que a sua simples enumeração, faça justiça face aos objetivos a que me proponho. Neste sentido, ao próximo post reservo a análise prática do sistema dualista entre a ação especial e comum e as criticas que surgem na doutrina; à reforma de 2015 relativamente à nova forma de processo “única”; quais as implicações práticas e o que o legislador pretendeu com tal opção; por fim apresentarei algumas notas finais.


1.  Breves notas sobre a Reforma de 2002 no contexto da mudança de paradigma no Direito Processual Administrativo

A Reforma do Contencioso Administrativo que se intentou em 2002 com o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante referido como ETAF e CPTA), surge no seguimento de uma verdadeira “revolução” no modo como se encontrava formulada a garantia constitucional de acesso à Justiça Administrativa. A par da ultima formulação, decorrente da Revisão Constitucional de 1997, do artigo 268.º, nº 4, da Constituição, consagrou-se um direito fundamental a uma tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares. Tal modelo constitucional, representou, como defendem os autores Mário Aroso de Almeida e Vasco Pereira da Silva, uma rotura com o antigo modelo histórico[3] e a superação dos velhos traumas da infância difícil do contencioso administrativo”[4]. A mudança de paradigma proporcionou, então, a autonomização do contencioso administrativo face ao direito administrativo. Os tribunais administrativos são assim considerados verdadeiros tribunais, integrados no Poder Judicial e dotados de um corpo próprio de juízes, sendo que, as suas sentenças têm por critério e medida os direitos dos particulares, merecedores de tutela jurídica.
A reforma de 2002, teve assim, como objetivo central, transformar um direito processual administrativo muito insuficiente em matéria de tutela, num regime apto a satisfazer as exigências constitucionais decorrentes do princípio da tutela jurisdicional efetiva. Em geral, visou-se garantir que, para cada pretensão do particular, existisse necessariamente um meio adequado a satisfazê-la[5], o que implicou a consagração de regimes processuais, dotados de flexibilidade, necessária a promover o acesso à justiça junto dos tribunais administrativos. De modo a dar resposta adequada ao universo irrestrito de pretensões que perante os tribunais administrativos passaram a poder ser deduzidas, adotaram-se meios processuais, estruturados de modo a poderem adequar-se à utilização de todo o tipo de meios instrutórios, necessários ao esclarecimento das questões em litígio. Essa estruturação afirmou-se, entre nós, relativamente ao âmbito dos recursos não urgentes, numa dicotomia entre ação administrativa especial e ação administrativa comum.

2.     O Modelo dualista adotado

Na análise das disposições consagradas pelo legislador no CPTA de 2002, o professor Vasco Pereira da Silva identifica como critério motivador da distinção entre a ação administrativa comum e a ação administrativa especial a consideração que, pertencem à ação administrativa comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados e integram a ação administrativa especial, os processos relativos a litígios em matéria de atos e regulamentos administrativos.


Bibliografia consultada até à data:

MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, “A unificação das formas de processo e o contencioso dos atos, normas e contratos”, in A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, publicação do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Março de 2017, pp. 41 ss.;
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “A propósito da revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, publicação do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Março de 2017, pp. 9 ss.;
FAUSTO QUADROS, “Principais alterações ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. II, publicação do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Abril de 2017, pp 9 ss.;
ANA CELESTE CARVALHO, “A nova ação administrativa”, in A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. II, publicação do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Abril de 2017, pp. 81 ss.;


Maria Carolina Lambelho, 
nº 26025



[1] Decreto-Lei nº 214-G/2015 de 2 de Outubro
[2] Mário Aroso de Almeida, “A propósito da revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, publicação do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Março de 2017, p. 16.
 [3] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “A propósito da revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, publicação do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Março de 2017, p. 13.
[4] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise. Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2009, p. 242.
[5] JOÃO TIAGO SILVEIRA, “A agilização processual no processo declarativo não urgente na revisão do CPTA” in Liber Amicorum Fausto de Quadros, vol. I, Almedina, Lisboa, 2016, pp. 616.

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