Quando falamos em impugnação de
atos inseridos num procedimento pré-contratual, estamos a falar de uma forma de
processo urgente, que vem prevista no art.97º e seguintes do CPTA. Assim, estão
aqui incluídas impugnações relativas a eleições administrativas; formação de
certos contratos e intimação à prestação de informações e proteção de direitos,
liberdades e garantias.
Importa realçar que estes
processos estão inseridos na forma de processo urgente, por se entender que
devido às suas caraterísticas próprias, não devem estar sujeitos ao tempo de
decisão comum. As impugnações urgentes apontam para casos em que estará em
causa a verificação da legalidade de pronúncias da Administração Pública, e
podem existir casos de condenação direta da Administração Pública.
O que diferencia esta forma de
procedimentos é o facto de as fases processuais serem abreviadas e os prazos
mais curtos. Ao contrário dos procedimentos cautelares, estamos perante um
processo principal, que se referem aos processos que têm por objeto uma decisão
de mérito, sendo que esta decisão é plena, não há necessidade de interpor uma
nova ação para se avaliar do mérito da causa.
Das várias situações que neste
contexto são possíveis, tem especial pertinência referir a situação em que o
autor vai impugnar atos do procedimento pré-contratual e ainda a situação em
que o autor vai impugnar o ato final, ou seja o contrato, com fundamento numa
ilegalidade cometida no processo de formação do contrato (com maior
desenvolvimento mais à frente).
O contencioso pré-contratual está
previsto no art.100º do CPTA, compreende as ações de impugnação e condenação à
prática de atos administrativos que digam respeito à formação dos contratos de
empreitada; concessão de obras públicas; prestação de serviços e fornecimento
de bens.
De acordo com os contratos que
estão aqui previstos, podemos concluir que a tramitação urgente afigura-se
adequada, pois temos que garantir proteção dos interesses públicos e privados
em questão, nomeadamente garantir transparência e concorrência através de
proteção adequada em tempo útil aos candidatos à celebração de contratos; garantir o início da execução dos contratos administrativos o
mais breve possível, bem como a estabilidade após a celebração do contrato.
Apesar de o artigo 100º do CPTA
ser de uma compreensão aparentemente fácil, a verdade é que temos que
identificar sempre qual o objeto da ação em questão, pelo que em princípio
devem ser propostas ações quando está em causa a ilegalidade de quaisquer
decisões administrativas quanto à formação do contrato e quanto à execução do
mesmo.
Têm que ser suscetíveis de pôr em
causa a validade do ato de adjudicação, correspondendo a um dos pressupostos
identificado no art.55º/1,a) do CPTA, para que o particular possa alegar ter um
interesse direito e pessoal, pelo facto de ter sido lesado com o ato em
questão, caso em que a impugnação repercutirá na sua esfera jurídica um efeito
positivo.
Este meio processual como foi
referido, pode ser utilizado para impugnar os atos de formação dos contratos,
todos aqueles que estão incluídos no procedimento de formação dos contratos,
tal como referido no CCP e se entretanto tiver o contrato sido celebrado e
estiver a iniciar a sua execução, pode o particular impugnar o contrato.
Dada a crescente utilização dos
contratos públicos, esta matéria foi objeto de legislação por parte da União
Europeia, o que levou à criação da diretiva de 2007/66, pelo que a sua
transposição levou a alterações do regime do CCP e do CPTA. Com isto podemos
afirmar que o CPTA, no que respeita a impugnação de contratos administrativos e
atos pré-contratuais, é aplicável na medida em que se aplicar o CCP, ou seja
quando se concluir que pela aplicação do CCP, o contrato em questão está
sujeito ao procedimento pré-contratual, integrando a o âmbito dos contratos
administrativos, ainda que a estes se aplique um regime especial, como o que
cem previsto no art.5º do CCP, contratos in house.
Será ainda aplicável aos processos
de formação dos contratos interadministrativos, referidos no art.6º do CCP,
contratos celebrados por entidades que se integram na Administração Pública
clássica, como sejam as que estão identificadas no art.2º/1 CCP e ainda
aplicável aos contratos celebrados por um organismo de direito público art.2º/2
do CCP.
Atualmente não restam dúvidas
quanto à possibilidade de impugnar atos pré-contratuais e contratos
administrativos, sendo que esta possibilidade está prevista no art.4/1, alínea
e) e f) do ETAF, art.51º/1, nº2,a) e nº3 e ainda artigo 100º do CPTA.
Ao analisarmos o art.51º/3 do
CPTA, podemos verificar que são possíveis duas situações de impugnação para o
particular. Ou seja, o particular pode impugnar os atos do procedimento de
formação do contrato e pode impugnar o ato final, isto é, o contrato
administrativo já celebrado, com fundamento na ilegalidade de algum ato
praticado ao longo da formação do contrato administrativo (para os professores
Carlos Fernandes Cadilha e António Cadilha, estamos perante uma impugnação
facultativa, uma vez que o particular, se por alguma razão não impugnou o ato
no procedimento pré-contratual, pode fazê-lo mais tarde, alegando a invalidade
do contrato devido a uma “má formação do mesmo”, devido a uma ilegalidade do
procedimento pré-contratual que originou o contrato administrativo).
É segundo este pensamento que o
autor Marco Caldeira discute este tema e identifica as duas situações possíveis
para o impugnante.
O autor fala na impugnação direta
de normas procedimentais e ainda impugnação de atos com fundamento na
ilegalidade de normas procedimentais. Nestes dois pontos importa discutir da
legitimidade ativa tendo em conta os pressupostos específicos para cada uma
destas situações.
No primeiro caso, tem
legitimidade para impugnar normas procedimentais quem tenha interesse direto e
pessoal. Para este autor, podemos afirmar que a legitimidade ativa não depende
do facto de o impugnante ter ou não apresentado candidatura ou proposta no
procedimento pré-contratual.
No entanto, há quem defenda que
nestes processos só tem interesse na impugnação segundo o artigo 55º/1,a) do
CPTA aquele que apresentou candidatura e foi preterido da adjudicação na medida
em que só estes, teriam uma vantagem concreta através dos efeitos da
impugnação.
Contudo, como sustenta Marco
Caldeira e tal como já foi referido, estes artigos resultam da transposição da
diretiva 2007/66 CE pelo que a sua finalidade não era a de restringir o acesso
aos tribunais, permitindo a impugnação apenas aos que tivessem apresentado a
sua candidatura ou proposta.
O objetivo e a rácio que se
pretendia com este artigo era exatamente o de permitir que outros interessados
tenham acesso aos tribunais, logo tem como objetivo abranger aqueles que ficaram
impedidos de apresentar candidatura. Esta impossibilidade pode dever-se ao
facto de a administração não ter cumprido com os limites legais, como por
exemplo, se a imposição de prazos demasiado curtos que impedem a apresentam em
tempo útil de candidaturas. Perante esta situação é óbvio que não seria lícito
que se impedisse o acesso à justiça e aos tribunais.
O mesmo tem sido entendido por
autores como Adolfo Mesquita Nunes, que refere o caso de serem apresentadas
peças concursais em que se estabelecem especificações discriminatórias,
tornando inalcançável logo à partida a adjudicação por certas empresas. Assim,
seria claramente excessivo atribuir legitimidade apenas mediante a apresentação
de candidatura ou proposta.
Podemos então concluir que os
interessados têm acesso à justiça porque foram lesados pela aprovação e
aplicação das normas, mesmo que não tenha participado naquele procedimento,
afinal de contas a ilegalidade também pode ter este fundamento. Serão parte
legítima todos aqueles que retirem da ação de impugnação do ato um benefício
concreto.
Na segunda situação identificada
pelo autor o interessado impugna o ato final ou seja contrato administrativo
com fundamento numa norma ferida de ilegalidade durante o processo de formação
do contrato.
Temos que, caso a caso questionar
se a ilegalidade da norma procedimental é de facto a causa da lesão que se
concretizou no ato administrativo ou se pelo contrário é apenas fundamento que
o autor apresenta para remover ato do ordenamento jurídico, ainda que a lesão
provocada não decorra dos vícios imputados à norma.
Alguns autores defendem que pode
ser uma questão de caducidade do direito de ação, porque o autor pode estar a
tentar contornar os prazos de preclusão legalmente previstos através da
impugnação do ato final.
O professor Marco Caldeira diz que
não é esta a questão e argumenta que é possível que o ato impugnado tenha sido
praticado durante o decurso do prazo de impugnação da norma, sendo neste caso a
impugnação do ato não é utilizada para contornar qualquer incumprimento de
prazos de impugnação. O autor refere também que este meio de impugnação, não
constitui uma impugnação direta da norma. Nas palavras do autor “apenas vale
pela sugestão de imagem”. Além disto, as normas procedimentais não se convalidam
com o mero decurso do prazo e sendo que o artigo
100º/2 do CPTA surge
como mera faculdade, logo o interessado pode impugnar um ato administrativo no
seio de procedimento pré-contratual com fundamento de ilegalidade da norma
contida nas peças procedimentais desde que respeite o artigo 101º CPTA.
Sendo este um caso complexo,
temos que analisar quem tem legitimidade ativa, pelo que tem particular
relevância saber se o autor é parte legitimidade e tem ou não interesse direto
e pessoal no afastamento do ato, mesmo que os vícios invocados na impugnação
sejam próprios de norma procedimental e não tenham relação direta com a lesão
sofrida.
Marco Caldeira suscita a este
propósito uma discussão na nossa doutrina em relação a saber se pode um
interessado impugnar ato administrativo com base em vícios meramente formais
orgânicos ou procedimentais que não afetem o conteúdo da decisão administrativa
em causa.
Alguma doutrina defende que os
vícios formais serão irrelevantes sempre que o autor não tenha interesse em
agir. Este interesse só existe quando o vício formal pode ter influência na
decisão final e que não é causal da decisão final.
Todavia este autor afirma que a
lei não exige que o interessado estabeleça um nexo de causalidade entre
ilegalidade imputada ao ato impugnado e a lesão sofrida na sua esfera jurídica,
logo a impugnação pode basear-se em vícios que embora tenham implicância na
validade do ato impugnado não afetem o seu conteúdo.
A legitimidade ativa para
impugnar um ato reside na relação entre vício invocado e a lesão invocada, mas
sim entre esta e a tutela reclamada. É parte legítima quando consiga o
afastamento do ato da ordem jurídica, alcançado assim vantagens para si.
Ora, nesta medida além de termos
que analisar a legitimidade ativa, temos que ver por outro lado quais os vícios
que estão em questão de modo a determinar a consequência sobre o conteúdo do
ato e quais as consequências que tem os efeitos de anulação do ato ou com a sua
alteração, sobre procedimento pré-contratual, tendo em conta os fundamentos que
foram apresentados.
Com isto queremos dizer que temos
que avaliar o peso da norma no contexto do procedimento pré-contratual, pois
está em causa a invocação de ilegalidade de normas das peças procedimentais.
Em alguns casos, quando se invoca
a ilegalidade da norma, esta leva a que se tenha que proceder à anulação de
todos os atos que estão relacionados com ela, como é o caso dos atos praticados
nos procedimentos pré-contratuais. Nestes casos, nunca podemos ter total
certeza de que, expurgando a ilegalidade do critério de adjudicação ou até
mesmo no modelo de avaliação de propostas, se os participantes seriam os mesmos
e não sabemos quais as pontuações que as propostas teriam se o critério adotado
fosse outro.
O interesse pessoal e direto aqui
presente está relacionado com interesse em obrigar a entidade adjudicante a
promover um novo procedimento com critérios distintos mas justo e adequados,
permitindo que o impugnante apresente uma proposta.
Podemos concluir, ao contrário do
que o STA concluiu, de que mesmo que em algum momento do procedimento o
impugnante tenha sido excluído do procedimento, o interesse direito e pessoal
mantém-se.
Mantém-se efetivamente porque a
adjudicação tem que se basear na avaliação de todas as propostas que foram
apresentadas naquele procedimento, que deve estar prevista nas peças
procedimentais. Assim, como a entidade adjudicante não pode alterar modelo de
avaliação das propostas admitidas no procedimento, a procedência da ação com
vícios, levaria a uma impossibilidade de adjudicação. A administração teria que
revogar a decisão de contratar e adotar um outro procedimento pré-contratual.
Claramente, com isto está
demonstrado o interesse do autor em impugnar o ato de adjudicação, pois o seu
interesse reside na possibilidade de vir a celebrar o contrato segundo um
regime que permita a disputa das propostas apresentadas. Como esta opção não
lhe foi facultada, regista-se um claro prejuízo para o autor preterido do
procedimento pré-contratual.
Em suma, não é possível
excluirmos a legitimidade ativa apenas com o fundamento de que o autor, não foi
admitido no procedimento ou pelo contrário a dada altura foi preterido do
procedimento. Porque o interesse do autor reside exatamente nisto, em ter um
procedimento justo e em termos de igualdade de oportunidade com os outros
candidatos ou eventualmente ser o adjudicatário. Afinal de contas temos que
proteger os interesses e as expectativas dos particulares, não restringindo sem
motivo o acesso aos tribunais e à justiça, até porque é um princípio
constitucionalmente consagrado no artigo 20º da CRP, princípio da tutela
jurisdicional efetiva.
Bibliografia:
CADILHA, Carlos; António Cadilha (2013), Contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos
públicos, Lisboa, Editora Almedina.
CALDEIRA, Marco, (2017) Estudos sobre contencioso pré-contratual, Lisboa,
Editora AAFDL.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa, Lisboa, Editora
Almedina.
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