O processo administrativo não é exclusivo aos
tribunais do Estado, mas desenvolve-se também nos tribunais arbitrais. Desde a
consagração constitucional no art. 209.º, n.º 2. Através de um simples “podem existir
(…) tribunais arbitrais” é aberta a porta à arbitragem que tem o seu lugar
também no direito administrativo, na designação comum de arbitragem administrativa[1].
O art. 212.º, n.º 3, não consagra uma reserva de
jurisdição estadual para a apreciação dos litígios emergentes das relações
administrativas e fiscais. Para efeitos deste artigo os tribunais
administrativos não são somente os tribunais permanentes do Estado, mas também
os tribunais administrativos arbitrais que venham a ser constituídos – segundo
o art. 209.º, n.º 3, pela lei – para apreciar e julgar litígios emergentes das
relações jurídico-administrativas[2].
Domingos Soares Farinho, define arbitragem como
“um meio de resolução de conflitos, de tipo heterocompositivo, em que duas ou
mais partes, acordam que o seu conflito, presente ou futuro, seja dirimido por
um ou mais árbitros, por si escolhidos, com cooptação ou não se outros
árbitros.”[3]
É uma alternativa aos tribunais administrativos para resolução do conflito,
pois as partes optam por submeter a resolução à decisão de árbitros.
A Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º
63/2011, de 14/12 – veio concretizar o exigido pelo art. 209.º, n.º 3, e também
dar seguimento ao entendimento da não consagração de uma reserva de jurisdição
estadual para dirimir os litígios emergentes da relação
jurídico-administrativa. O art. 1.º da LAV, no n.º 5, estabelece que “o Estados
e as pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de
arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais
convenções tiverem por objeto litígios de direito privado.”
O art. 180.º, n.º 1, do CPTA vem estabelecer,
como regra geral, que pode ser constituído a arbitragem para o julgamento de questões
respeitantes: a contratos, incluindo a anulação ou declaração de nulidade de
atos administrativos relativos à respetiva execução; a responsabilidade civil
extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso, ou
indemnizações devidas nos termos da lei, no âmbito das relações jurídicas
administrativas; à validade de atos administrativo; a relações jurídicas de
emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando
não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional.
É a partir deste art. 180.º que o CPTA se
refere aos tribunais arbitrais e centros de arbitragem. A LAV é aplicada por
remissão do art. 181.º mutatis mutandis.
Importante quanto à arbitragem administrativa é
abordar quais os limites que estão consagrados. E, assim, definir qual a
reserva jurisdicional dos tribunais estaduais.
O art. 185.º, n.º 1, do CPTA veda à arbitragem a
responsabilidade civil por prejuízos decorrentes do exercício da função política,
legislativa ou jurisdicional. Por exemplo, a indemnização que um particular pode
obter em ação instaurada contra o Estado, por violação pelos tribunais de
normas da União Europeia no julgamento de uma causa, quer seja pela incorreta
interpretação, aplicação ou desaplicação, não pode ser objeto de compromisso
arbitral.
O n.º 2, do art. 185.º do CPTA, estabelece um
limite à pronúncia do tribunal arbitral, nos litígios sobre questões de
legalidade. Estabelece que os árbitros decidem estritamente segundo o direito
constituído, não podendo pronunciar-se sobre a conveniência ou oportunidade da
atuação administrativa, nem julgar segundo a equidade. Esta disposição foi
inserida pelo DL n.º 214-G/2015 de 2 de outubro.
O plano constitucional português permitiu a
superação do entendimento clássico. O caminho demarca-se do entendimento
tradicional, no sentido da abertura à admissibilidade da arbitragem no domínio
da fiscalização dos atos administrativos. Existe no art. 209.º da CRP, como já
vimos, um reconhecimento da natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais, da
sua atividade e das suas decisões.[4].
Mário Aroso de Almeida destaca uma relevante
consequência para os tribunais arbitrais. Estes devem limitar-se a julgar do
cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam,
no respeito pelo princípio da separação e interdependências dos poderes. Esta “é
uma consequência que resulta da circunstância de a arbitragem ser um instrumento de heterodefinição, mediante
o qual os árbitros são investidos no exercício da função jurisdicional, e não
em poderes delegados de disposição que lhes sejam confiados pelas partes, de
onde decorre que, no domínio em referência, mais não lhes compete, fazendo as
vezes dos tribunais do Estado, do que “julgar do cumprimento pela Administração
das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou
oportunidade da sua atuação”” – art. 3.º, n.º 1, do CPTA.
Há uma clara semelhança com algumas das alíneas
do n.º 1 do art. 180.º do CPTA com as algumas das alíneas do art. 4.º do ETAF. A
responsabilidade civil por prejuízos decorrentes do exercício da função
política, legislativa ou jurisdicional está excluída da arbitragem, a qual
corresponderia à alínea f) do n.º 1 do art. 4 do ETAF. Esta alínea atribui
competência aos tribunais administrativos e fiscais para apreciar litígios que
tenham por objeto questões relativas à “responsabilidade civil
extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos
resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional”. A
ressalva inclusiva feita pela alínea é o que o art. 185.º, n.º 1, do CPTA vem
delimitar como reserva jurisdicional dos tribunais nacionais.
O que o art. 185.º, n.º 1, do CPTA faz é
estender a aplicação do art. 3.º, n.º 1 do mesmo diploma. O que é
imprescindível, por força do princípio da legalidade, que é de longe o
princípio mais importante a ter em conta aquando a apreciação pelos tribunais
de um ato administrativo, porque deve reger toda e qualquer conduta da
administração.
Aquando a análise do art. 3.º, n.º 1, do CPTA,
Mário Aroso de Almeida diz que “não se trata, pois, de pretender que os
tribunais administrem, sobrepondo os seus próprios juízos subjetivos aos
daqueles que exercem a função administrativa, mas pretender que os tribunais
julguem da conformidade da atuação dos poderes públicos com as regras e os
princípios de Direito a que eles se encontram obrigados”[5]
– a apreciação das condutas da Administração estão submetidas aos princípios e
regras constitucionalmente e legalmente consagrados e por esses mesmos
princípios e regras deve ser condenada no pedido ou absolvida do mesmo.
José Duarte Coimbra, em análise ao art. 185.º,
n.º 2, do CPTA afirma que se retiram três normas distintas:[6]
1) “nos
litígios sobre questões de legalidade, os árbitros decidem estritamente segundo
o direito constituído” – isto é, nos litígios sobre questões de legalidade, o
critério de decisão dos árbitros deve ser o direito constituído;
2) “nos
litígios sobre questões de legalidade, os árbitros (…) não pode[m]
pronunciar-se sobre a conveniência ou oportunidade da atuação administrativa” –
isto é, nos litígios sobre questões de legalidade, o âmbito do controlo dos
árbitros não pode ser o mérito da atuação administrativa;
3) “nos
litígios sobre questões de legalidade, os árbitros (…) não pode[m] julgar
segundo a equidade” – isto é, nos litígios sobre questões de legalidade, o
critério de decisão dos árbitros não pode ser a equidade.
Para José Duarte Coimbra, a primeira e da
terceira norma integram como elemento de previsão o domínio «critérios de
decisão», por sua vez, a segunda norma integra como elemento de previsão o «âmbito
de controlo».
Devido à remissão do art. 181.º, analisemos
a LAV.
O art. 1.º, n.º 1, da LAV estabelece
que qualquer litígio que diga respeito a interesses de natureza patrimonial
pode ser cometido pelas partes à decisão de árbitros mediante convenção de
arbitragem. Isto pode suceder-se desde que por lei especial não esteja
submetida a apreciação do litígio exclusivamente aos tribunais do Estado, ou, a
arbitragem necessária. Do n.º 3 consta que “pode ter por objeto um litígio
atual ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou
litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou
extracontratual (cláusula compromissória).” E como já tínhamos constatado, o
n.º 5 do art. 1.º da LAV, abre a porta ao Estado e às pessoas coletivas de
direito público à celebração de convenções de arbitragem, desde que autorizadas
por lei ou em caso de litígios de direito privado.
Deste artigo da LAV consta uma
grande abertura à autonomia das partes. A celebração de convenções de arbitragem
pelo Estado ou pessoas coletivas de direito publico deve ser permitida por lei
em caso de litígios de direito público. Se não abrangido pelo art. 185.º, n.º 1,
do CPTA, o litígio de direito público que diga respeito a interesses de natureza
patrimonial, está, em princípio à disposição das partes, se esta autonomia não
for afastada por lei especial que pode consagrar reserva jurisdicional para os
tribunais do Estado ou arbitragem necessária.
[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 3.ª edição, p. 509.
[2] Ibid.,
p. 510-511.
[3] Domingos Soares Farinho, Arbitragem e Direito Público, em As vantagens da arbitragem no contexto dos
meios de resolução de conflitos administrativos, AAFDL editora 2015, p.
496.
[4] Mário Aroso de Almeida,
op. cit., p. 526-527; Carlos Alberto Fernandes
Cadilha/Mário Aroso de Almeida, Comentário
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 2017, p.
1332.
[6] José Duarte Coimbra, Arbitragem e Direito Público, em O recurso à equidade nas arbitragens de
Direito Administrativo, AAFDL editora 2015, p. 171-173.
Bernardo Cid - n.º 26238
Bernardo Cid - n.º 26238
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