No final dos anos 90, os
tribunais administrativos de círculo deixavam cerca de 61% dos processos sem
resposta, ficando alguns simplesmente com decisões formais proferidas em fases
iniciais do processo.
O novo Código de Processo nos
Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”) veio abolir o antigo
modelo de justiça administrativa, no que respeita à lógica de tipificação dos
pedidos próprios de cada meio processual administrativo e, correlativamente,
dos poderes de cognição e de pronúncia do juiz administrativo, bem como a flexibilização
da concepção da tramitação processual. Ou seja, as impugnações tinham de ter a
mesma forma e a competência para a apreciação dos vários actos impugnados
pertencia a tribunais da mesma categoria, através de uma única acção.
Segundo Vasco Pereira da
Silva, a orientação a tomar quanto à causa de pedir deve depender da função e
da natureza do Contencioso Administrativo. A causa de pedir deveria ser a
apreciação integral da actuação administrativa trazida a juízo, de modo a
permitir uma consideração objectiva da legalidade ou ilegalidade absoluta do
acto em face de todas as possíveis normas aplicáveis e no que respeita a todas
as possíveis fontes de invalidade, segundo uma orientação objectivista da
justiça administrativa, no qual o acto administrativo constitui o objeto do
processo. De acordo com a proteção jurídica subjectiva, a causa de pedir
configura-se na sua ligação com os direitos dos particulares, constituindo
objecto do processo o acto enquanto lesivo dos direitos e que foi levado a
processo através das suas pretensões, resultando a causa de pedir numa
ilegalidade relativa por estar relacionada com o direito subjectivo lesado.
O objecto do processo no
contencioso administrativo, deve ser distinguido consoante esteja em causa uma
ação para a defesa de direitos ou interesses próprios. A situação mais
frequente é o caso da ação para defesa de interesses próprios, no qual o
objecto é constituído pelos direitos subjectivos alegados pelos particulares
numa concreta relação jurídica administrativa. Sendo possível a formulação de
todos os pedidos imediatos necessários e adequados, assim como a respectiva
cumulação, para a tutela das posições subjectivas em questão (pedidos
mediatos), e sendo a causa de pedir configurada em razão das alegações das
partes.
O CPTA com a nova reformulação
veio desta forma, introduzir no processo administrativo o princípio da livre cumulação
de pedidos, consagrado no art.4º, ao contrário do que sucedia no regime
precedente.
Resulta deste princípio que os
diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos perante os tribunais
administrativos não têm de ser associados a meios processuais separados entre
si, mas podem ser deduzidos em conjunto, no âmbito de um só processo, desde que
exista uma conexão entre os pedidos deduzidos, sendo esta conexão jurídica ou
factual, resultante do facto:
a) Da respectiva causa de pedir ser a mesma e
única ou de os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicialidade e
dependência (art.4º-1-a) do CPTA, designadamente a identidade das causas de
invalidade que o autor invoque e que implique o conhecimento prévio de um
pedido em relação a outros, reportando-se ou não às mesmas causas de pedir. O
art.4º-2 elenca um conjunto meramente exemplificativo de cumulações segundo
estes requisitos positivos;
b) Do facto de a procedência dos pedidos
principais depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da
interpretação e aplicação das mesmas normas (art.4º-1-b) do CPTA).
O CPTA
admite vários tipos de cumulação (com base no critério da
estrutura da cumulação):
I. Simples
– é pedida a procedência de todos os pedidos e consequente produção de todos os
efeitos;
II. Alternativa
– é pedida a procedência de todos os pedidos, mas só há satisfação daquele que
o demandado escolher;
III. Subsidiária
– é formulado um pedido inicial e um pedido subsidiário para o caso de
improcedência do primeiro.
A
cumulação de pedidos obriga a existência de alguns critérios processuais
específicos:
- Compatibilidade
substantiva: entre os pedidos formulados, na cumulação simples. Miguel Teixeira
de sousa realça a sua necessidade, dado que o autor pretende a procedência de
todos eles;
-
Conexão objetiva: entre os pedidos formulados e a compatibilidade processual
entre esses pedidos, para todas as cumulações. A
existência de uma conexão, de acordo com o regime previsto no CPTA, art.4º-1 e
2 e quanto à actuação administrativa especial, nos art.4º-3 e 47º-1, 2 e
4.
-
Compatibilidade Substantiva: os efeitos dos pedidos formulados têm que ser
substancialmente compatíveis, dado que o autor pretende a procedência de todos
eles e a produção de todos esses efeitos. A formulação de pedidos
substancialmente incompatíveis leva à ineptidão da petição inicial (art.193º-2-c)
do CPC, aplicável ex vi art.1º do CPTA).
Quanto à sua constituição, a cumulação pode ser:
I. Inicial
– quando existe desde a propositura da ação, consta da petição inicial (ab
initio);
II. Sucesiva
– só existe durante a pendência do processo jurisdicional. Por exemplo: art.
63º-1 do CPTA, se não estiver suspenso o procedimento administrativo onde se
encontra o acto impugnado e for necessário cumular novos pedidos relativos a
outros actos entretanto praticados pela Administração.
O novo CPTA permite assim
cumular-se pedidos com formas processuais diferentes de forma muito genérica,
ao contrário do CPC onde a cumulação de pedidos é mais limitada, pois são
aferidas a partir do preenchimento de requisitos materiais elativos aos pedidos
cumulados, e não a partir de requisitos formais relativos à identidade de forma
de processo própria dos vários pedidos cumulados.
Existirá um ónus? Não. A
cumulação de pedidos é uma faculdade, uma opção que assiste ao interessado e
que ele é livre de optar por exercer ou não.
Os requisitos negativos da
cumulação constam do art.5º. O facto de a cada pedido cumulado corresponder uma
forma processual diferente não obsta à sua cumulação, mas apenas se dentro das
formas de acção administrativa comum, ou então de uma qualquer acção
administrativa comum com uma acção administrativa especial; assim, no caso de
cumulação com acção administrativa especial, o processo corre sob a forma desta
última (art.46º do CPTA).
O art.5º-2 do CPTA exige que
todos os pedidos cumulados pela parte pertençam ao mesmo âmbito da jurisdição
administrativa, senão haverá uma situação de absolvição da instância
relativamente ao pedido para o qual o tribunal não for competente em função da
matéria. Se o pedido perante o qual o tribunal não for competente, for o pedido
relativo à questão prejudicial de que depende o conhecimento daquele tribunal,
pode o juiz suspender a instância (art.15º-2 do CPTA), ficando posteriormente a
aguardar que o tribunal competente se pronuncie sobre tal questão. Se
estivermos perante pedidos que remetem para tribunais de diferentes categorias,
define o CPTA que é da competência do tribunal superior a apreciação de todos
os pedidos cumulados da parte (art.21º-1 CPTA).
O CPTA possibilita a cumulação sucessiva de pedidos,
para além da possibilidade de cumulação no inicio do processo jurisdicional, no
âmbito da ação administrativa especial, cujo objecto processual pode ser
ampliado à impugnação de novos actos que venham a ser praticados no âmbito do
mesmo procedimento em que se insira o acto originariamente impugnado, bem como
à formulação de novas pretensões que, à luz dos critérios gerais de cumulação
(art.4º e 47º do CPTA), possam ser cumuladas com o pedido impugnatório originário
(art.63º-1 e 2 do CPTA). A cumulação sucessiva de pedidos impugnatórios pode
ocorrer no prazo geral de impugnação de actos administrativos que decorre do
art.58º do CPTA.
No entanto, os pedidos podem ser ilegalmente
cumulados. Dispõe o art.4º-3 do CPTA que o demandante será notificado para
indicar que pedido pretende ver apreciado e se não o fizer no prazo de 10 dias,
haverá lugar a absolvição da instância. Dispõe ainda o nº4 que no caso de
absolvição por cumulação ilegal de impugnações (no mínimo uma, contrariamente
ao nº5 e ao art.47º-5 CPTA, onde todos os pedidos têm de ser impugnatórios),
podem novas petições serem apresentadas no prazo de um mês a contar do trânsito
em julgado, considerando-se apresentadas na data de entrada da primeira.
A norma do art.4º-4 só faz sentido se a impugnação
disser respeito a actos administrativos anuláveis, uma vez que os outros
processos impugnatórios podem ser deduzidos a todo o tempo.
Sobre a questão da legitimidade passiva, o legislador
estipula que “havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas
colectivas ou ministérios, devem ser demandados as pessoas colectivas ou os
ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas” (art.10º-5 do
CPTA). Estas situações de pluralidade subjectiva passiva podem ocorrer nos
diferentes tipos de cumulação.
As implicações deste princípio
são inovadoras ao nível do contencioso de impugnação de actos administrativos,
estando configurado de modo a permitir uma apreciação jurisdicional de todas as
pretensões emergentes da relação jurídico-administrativa em que se insere o
acto impugnado, e não somente da validade do acto em si.
O princípio da livre cumulação
de pedidos veio assim permitir um acesso à Justiça simplificado, pois não são
necessários vários meios processuais quanto à mesma relação jurídica,
conduzindo a uma celeridade e economia processuais pois diminui as custas processuais
para o Autor, facilidade da tarefa do demandante e essencialmente uma
efectividade da tutela jurisdicional (art.268º-4 da CRP e nos art.2º
e 3º do CPTA).
Andreia Dias, nº24362
Bibliografia:
1. SOUSA, Miguel Teixeira de, “Cumulação de
Pedidos e Cumulação Aparente no Contencioso Administrativo.” Cadernos de Justiça Administrativa Julho/Agosto
de 2002.
2. AMARAL, Diogo Freitas do, ALMEIDA, Mário Aroso
de, "Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo",
Coimbra, 2004
3.
Oliveira,
Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de, “Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais e Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado”,
Vol. I. Almedina, 2004.
4. ALMEIDA,
Mário Aroso de, “Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”. Almedina, 2005.
5. OLIVEIRA, Mário Esteves de, “Código de Processo nos Tribunais
Administrativos”, Almedina, 2006.
6. Andrade, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”,
Almedina, 2011.
7. Correia, Cecília Anacoreta, “O princípio da
cumulação de pedidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em
especial em sede executiva.” Estudos
em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda. Coimbra Editora, 2012.
8. ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013.
9. SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2016.
9. SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2016.
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