No
que diz respeito à legitimidade passiva, há um critério semelhante ao art.26º
do regime do processo civil, no art.10º-1ºparte do CPTA, “Cada ação deve ser proposta
contra a outra parte na relação material controvertida”, estabelecendo
quem tem legitimidade passiva e quem, na configuração que o autor apresenta na
petição inicial, corresponde à contraparte na relação material controvertida. Este
aplica-se sobretudo às situações em que existe uma relação contratual. A maior
parte das relações jurídicas administrativas, são caracterizadas pela sua
multilateralidade, envolvendo um conjunto alargado de pessoas cujos interesses
são afectadas pela actuação da Administração. Por isso, todos os que são
atingidos por um acto administrativo e todos os que fazem parte da relação
jurídica devem ser considerados interessados e não terceiros.
Num
processo, além da identificação das partes principais (Autor e Réu), deverão
também ser identificados eventuais contrainteressados (art.57º e 78º-2-b) do
CPTA), pois estes são sujeitos da relação processual e
também da relação administrativa.
O art.10º-1, na sua parte final, estabelece uma
extensão desta regra, dotando de legitimidade passiva aqueles “titulares de interesses
contrapostos ao autor”. Aqui encontra-se a génese da intervenção a título
principal dos contrainteressados no litígio.
Os contrainteressados são as
pessoas que são directamente prejudicadas pela anulação ou declaração de
nulidade do acto impugnado, ou pessoas cujo prejuízo não resulta directamente
dessa anulação ou declaração de nulidade, mas que, ainda têm um interesse
legítimo na manutenção do acto, visto que, verão a sua esfera jurídica
negativamente afetada. Todos aqueles que por terem visto a respectiva situação
jurídica definida pelo acto administrativo praticado ou a praticar, têm o
direito de não serem deixados à margem do processo em que se discute a questão
da subsistência na ordem jurídica do acto que lhes diz respeito.
O legislador
consagrou o regime dos contra-interessados na acção de impugnação de actos
administrativos no artigo 57º e na acção de condenação à prática do acto devido
no artigo 68º-2, contendo o mesmo objecto.
Para Mário Aroso de Almeida, a
lei confere legitimidade passiva a todos aqueles que possam ser prejudicados
pela anulação ou declaração de nulidade dos actos, e são chamados à acção em
situação de litisconsórcio necessário passivo, sendo verdadeiras partes no
processo. O contra-interessado defende um interesse que coincide com o interesse do
réu mas tem uma actuação autónoma e independente do ponto de vista processual.
Se o réu decidir confiar ao tribunal a resolução do litígio sem exercer o seu
direito ao contraditório, isso não impede o contra-interessado de defender a
sua posição no processo. Não está só em causa a titularidade de um
interesse contraposto ao do autor na ação, mas também assegurar que o processo
não corra à revelia de pessoas que podem vir a ser prejudicadas ou beneficiadas.
Tenha-se presente que a lei
confere aos contrainteressados todos os poderes processuais próprios das partes
(art.10º-1), designadamente o de contestar (art.82º) ou de recorrer (art.155º),
considerando-se incluídos nas referências às partes nos artigos 95º, 120º-3, e
121º do CPTA.
O conceito de contrainteressado
está associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção
impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na
relação material controvertida.
Seguindo o entendimento de Mário Esteves de Oliveira e
Rodrigo Esteves de Oliveira, os contrainteressados podem ser divididos em directos
ou legítimos (art.57º do CPTA).
Os contrainteressados directos são “pessoas que serão directamente desfavorecidas, nos seus direitos ou
interesses, pela procedência da acção instaurada, do mesmo modo em que o autor
sairia favorecido”.
Por sua vez, os contrainteressados legítimos são
aqueles “que tenham legítimo interesse
na manutenção do acto impugnado”. Neste sentido, referem os autores, o
“espelho” criado pelo art.55º-1-a), pois ao estabelecer o critério que
determina a legitimidade activa, determina também, na sua vertente negativa, a
qualidade de contrainteressado, sendo aquele que tem interesse directo e pessoal
na manutenção do acto impugnado.
Na generalidade das impugnações
de contencioso pré-contratual, o Autor, por cautela, indica como
contrainteressados todos os restantes concorrentes. Para tal, o art.78º-A
permite ao Autor, antes da propositura da acção, requerer à administração a
passagem de certidão onde constem os elementos de identificação de cada um dos
contrainteressados. Esta certidão tem de ser passada no prazo legal de 10 dias
conforme o art.84º do CPTA. Se não for passada no respectivo prazo, o Autor
indica na petição que a requereu, juntando prova.
O Autor identifica os
contrainteressados conhecidos e requer a intimidação judicial “da entidade
demandada, para que no prazo de 5 dias, fornecer ao tribunal a identidade e
residência dos contrainteressados em falta, para o efeito de poderem ser
citados (art.78º-A, nº2 do CPTA).
Antes da reforma do contencioso
administrativo, havia quem defendesse, como Paulo Otero, a intervenção dos
contrainteressados como um “instrumento
pelo qual se obtinha um reforço da postura de defesa de manutenção do acto
recorrido, transformando o contrainteressado numa espécie de auxiliar ou substituto
processual da Administração”. Porém, não estamos perante qualquer
substituição processual, e a participação dos contrainteressados não tem como
fim auxiliar a Administração na defesa da legalidade ou do interesse público,
mas sim defender interesses próprios.
Os contrainteressados ganham cada vez mais
relevo nas relações administrativas modernas, pelo que há necessidade de
assegurar o acesso destes sujeitos à justiça e de garantir a sua tutela
jurisdicional. Esta garantia é feita pela intervenção dos contrainteressados no
processo, o que constitui um ónus processual do autor da petição inicial. Este
ónus justifica-se pela necessidade de unificação da ordem jurídica, devendo as
decisões judiciais proferidas resolver a questão de forma definitiva.
Desta forma, podemos concluir
que, a aplicação prática dos art.10º-1, parte final, 57º e 68º-2 do CPTA, não é
totalmente clara na prática, surgindo ainda questões relativamente à
determinação dos contrainteressados, concluímos ainda que através
da admissão dos contrainteressados como partes, conseguimos garantir o respeito
pela tutela jurisdicional efectiva.
Jurisprudência
A título
exemplificativo:
a) Acórdão nº 05527/09, TCA Sul, de
04-03-2010, que trata da questão da determinação dos particulares com qualidade
de contrainteressados. Neste caso, face a uma declaração de nulidade da
licença de construção referente a um empreendimento colocava-se a questão de
saber se os recorrentes podiam ser constituídos partes enquanto contrainteressados.
b) Acórdão nº 07771/11, TCA Sul, de
26-01-2012, em que se colocava o problema da fronteira entre o interesse direto
e pessoal (que refere o art.55º-1) e o dos particulares que, embora tenham
interesse na causa, são apenas indiretamente afetados pela procedência da
mesma.
Andreia Dias, nº24362
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário
Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2012
- ESTEVES DE OLIVEIRA, Mário/ Rodrigo – Código de Processo nos
Tribunais Administrativos Anotado, Almedina, 2006
- OTERO,
Paulo, Os
contra-interessados em Contencioso Administrativo: fundamento, função e
determinação no universo em recurso contencioso de acto final de procedimento
concursal, in Estudos
em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares
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