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Ministério Público no Contencioso Administrativo







 O Ministério Público é uma entidade que pode desempenhar uma variedade de papéis variados nos tribunais administrativos e esses mesmos estão previstos genericamente no art.51º do ETAF bem como em outros artigos.

O Ministério Público dispõe de um Estatuto próprio que forma um corpo de magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados ( 219º/4 CRP e 76º/1 do Estatuto). Este tem autonomia relativamente ao Governo, que foi reforçada com a alteração normativa de 1992 que retirou ao ministro da justiça o poder de dar instruções, de ordem genérica ao Procurador-Geral (art.2º do Estatuto e atual 80º do Estatuto) e à magistratura judicial (75º/1) cuja gestão e disciplina cabe à Procuradoria-Geral da República que é presidida pelo Procurador-Geral e inclui o conselho superior do Ministério Público (29º/2, 4 e 5 e 220º da CRP).
A composição do conselho superior compreende, pela reformulação de 1989 do imperativo constitucional (220º/2) membros eleitos pelos magistrados de entre si e membros eleitos pela assembleia da república compreendendo os órgãos compreendidos no art.15º/2 do Estatuto.

Pelo art.9º/2 do CPTA, referente à legitimidade ativa, o Ministério Público pode ser autor em processos administrativos quando propõem ações no exercício na chamada ação pública. Há uma extensão de domínio na propositura de ações em defesa dos interesses constitucionalmente protegidos e neles indicados e assim é estendido ao Ministério Público o exercício no âmbito do contencioso.
A ação popular serve para a defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens dos Estado, nas Regiões Autónomas e das autarquias locais que é um direito que a Constituição da República Portuguesa lhe reconhece (art.1º/2 Lei 83/95).

Pelo art.11º/1 do CPTA vemos que o Ministério Público pode representar também o Estado, como seu advogado nas ações administrativas que sejam propostas contra este. Nas ações propostas contra condutas quer sejam omissivas ou ativas de órgãos administrativas do Estado no exercício de poderes de autoridade, a legitimidade passiva é do Ministério a que esse órgão pertença e não do Estado (art.10º/2) que no âmbito da atuação dos Ministérios confere legitimidade a estes, e não ao Estado.
A redação do art.11º/1 resultou da revisão de 2015 e entende-se que a interpretação que se faz do mesmo “ nas ações propostas contra o Estado, a representação deste compete ao Ministério Público” é a melhor. A redação da última parte do 11º/1 é igual à primeira parte do antigo 11º/2 mas a representação do Estado pelo Ministério Público deixou de estar reservada às ações relativas à matéria contratual e de responsabilidade, pelo que parece ter sido ampliada a todas as ações que sejam propostas contra o Estado independentemente dos seus objetos.

Esta é uma solução criticada, devido ao estatuto de magistratura autónoma que corresponde ao Ministério Público na nossa ordem constitucional. Os agentes do ministério público não são advogados do Estado, e para o professor Mário Aroso Almeida, deveria criar-se um corpo próprio de advogados do Estado com a exclusiva função de exercer o patrocínio do Estado substituindo o Ministério Public0 nas ações propostas contra o Estado, como os licenciados com funções de apoio jurídico, nas ações que são propostas contra Ministérios.

Em sede de recurso, o art.85º e 146º/1, confere ao ministério público o poder de intervir nos processos administrativos em que não sejam parte quando entenda que tal se justifica em função de matéria que esteja em causa. Com a revisão de 2015, essa possibilidade de intervenção foi estendida a todos os processos que sigam a forma de ação administrativa, pelo que tem um âmbito mais alargado do que sucedia anteriormente, em que apenas podia ter lugar nos processos que seguiam a forma da ação administrativa especial.

A intervenção do Ministério Público nos processos em que não é parte prevista no art.85º visa contribuir para um melhor esclarecimento dos factos ou a melhor a aplicação do direito nos processos de ação administrativa em primeiro grau de jurisdição, podendo traduzir-se na emissão de um parecer sobre o mérito da causa, que exprime uma opinião sobre o sentido em que o caso deve ser decidido pelo tribunal, ou num requerimento dirigido a solicitar a realização de diligências instrutórias no caso em que é admitido pelo 85º/3.

A previsão do art.85º é o que hoje resta dos amplos poderes de intervenção que, no regime precedente, eram reconhecidos aos Ministérios Público nos processos em que não era parte. Essa intervenção não é obrigatória nem ocorre mais de uma vez em cada processo: tem lugar uma única vez, na fase processual, em que o art.85º prevê e só quando o Ministério Público considere que ela se justifica, em função da relevância da matéria em causa; e não se pode versar sobre questões de índole processual mas apenas sobre questões de caráter substantivo.

Concluindo, o Ministério Público, tem intervenção no âmbito dos recursos jurisdicionais que não tenha interposto, ao que acresce a legitimidade para a interposição dos recursos jurisdicionais de decisões ilegais, de recursos para a uniformização de jurisprudência e recursos de revisão (art.141º/1, 152º/2 e 155º CPTA).



Bibliografia:
ALMEIDA; Mário Aroso; Manual de Processo Administrativo; Almedina;  3º edição; 2017;

ANDRADE; José Carlos Vieira; A Justiça Administrativa ( Lições) ; Almedina ; 14º edição; 2015;


Joana Teixeira Rebelo ( 26292) 

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